Maremoto no Rio de Janeiro


 

Seguem os relatos do César Bartz do veleiro Prowler e as observações do Renato do veleiro Samba sobre o fenômeno observado no Clube naval Charitas em Niterói (Rio de janeiro) no dia 26/12/2004, que foi relacionado com a catástrofe natural ocorrida na Ásia. As fotos são de autoria do César.

Veja também a reportagem de O GLOBO de 05/01/2005

César Bartz - veleiro prowler

Prowler 1Prowler 2"Quando cheguei em "casa" (Nota: o César mora a bordo do seu veleiro Prowler) ontem, 26/12/2004, aproximadamente 24 horas após a ocorrência do abalo sísmico no Indico, a maré estava estranhamente baixa. Minha estimativa é em torno de 0,9 metros abaixo da mínima de sizígia (0,0m), pois eu mal conseguia entrar no barco, escalando o pier (foto Prowler 1). 26 minutos depois, a maré já se encontrava próxima a máxima preamar de sizígia (foto Prowler 2).

Prowler 3

 

Mais 14 minutos e a maré voltou novamente a uma altura próxima da baixamar de sizígia (foto Prowler 3)".

 

 

"Fiz umas medições de profundidade e verifiquei uma variação de 1,6 metros em apenas 17 minutos!! (Fotos 1 e 2)"

 

"Por volta de 5:30 do dia 27/12, houve a máxima que registrei, quando o pier fixo do Clube Naval foi coberto pela água em aproximadamente 20 cm e a sonda registrou uma profundidade de 6,0 metros o que faz uma variação total de 2,6 metros em 6 horas!!! Normalmente no Rio de Janeiro, em um período anual, a maré tem uma variação máxima de 1,4 metros".(Observar os horários gravados nas fotos)

     

                              

"E assim a maré ficou subindo e descendo em ciclos de aproximadamente 1 hora, que durou até a manhã do dia 27/12".

"Quando saí por volta das 8:00 tudo voltara ao normal. Impressionante e quase inacreditável..."

 

Renato Botelho - veleiro Samba

"Apresento algumas avaliações adicionais ao fenômeno que juntos presenciamos".

"O terremoto ocorreu às 6:58, hora local de Sumatra que corresponde a 21:00 de 25/12/2004 no Rio de Janeiro. A chegada das ondas sísmicas à baía da Guanabara ocorreu em torno das 22:00 de 26/12".

"Como a distância do local do sismo ao Rio de Janeiro é de aproximadamente 9000 milhas, temos uma velocidade de propagação de 360 nós (660 km/hora). Esta velocidade está na faixa de 400 nós (740 km/hora) prevista para este tipo de ocorrência".

"O período de subida e descida do nível do mar no Clube Naval esteve em torno de 40 minutos. Este valor também coincide com as informações do Tsunami na Ásia onde as notícias dizem que após o mar recuar por 20 minutos, chegavam ondas que perduravam por 20 minutos".

"Tivemos então na Baía da Guanabara aproximadamente 15 ciclos em 7 horas! Os barcos pareciam estar subindo e descendo de elevador!"

"Os ciclos se somavam a maré de lua cheia e inicialmente o mar descia a níveis nunca antes atingidos. Posteriormente com a maré subindo, o nível do mar chegou também a pontos nunca antes alcançados".

"Realmente foi uma situação surpreendente para os que a presenciaram. Temos a destacar a dedicação dos marinheiros de plantão no Clube Naval que não pararam a noite inteira cuidando dos barcos que sofriam múltiplos problemas com esta situação atípica".

"De tudo isso só lamentamos as milhares de mortes e a destruição ocorrida em tantas cidades e povoados da Ásia".

 

O Globo de 05/01/2005

RIO

Rio, 05 de janeiro de 2005 Versão impressa


Tsunamis da Ásia afetam nível do mar no Rio

Túlio Brandão

As tsunamis que devastaram a Ásia e mudaram a topografia do mundo foram sentidas na costa fluminense e em outros estados brasileiros, distantes cerca de 15,5 mil quilômetros do epicentro do fenômeno, a oeste de Sumatra. Os marégrafos da Marinha (aparelhos que medem a curva de nível do mar) registraram variações atípicas de até 30 centímetros na maré em períodos de apenas 40 minutos. Desde que tais aparelhos foram instalados, em 1950, é a primeira vez que marcam tamanha oscilação no nível do mar. No estado, os reflexos da tsunami foram sentidos em marégrafos instalados na Baía de Guanabara e em Arraial do Cabo.

O comandante Marcelo Cavalcante, capitão-de-corveta encarregado da Seção de Informações Oceanográficas da Marinha, concluiu que os reflexos das tsunamis atravessaram oceanos a uma velocidade de cerca de 708 km/h até chegar ao Rio. O cálculo foi feito a partir da distância entre a costa fluminense e o epicentro e o período em que a variação foi registrada no Rio (de 21h do dia 26 de dezembro a 11h do dia 27). Ele utilizou dados gerados pelo marégrafo localizado na Ponta da Armação, em Niterói, dentro da Baía de Guanabara.

— O Rio recebeu algumas ondas em formato de maré, com períodos de 40 minutos. A variação chegou a 30 centímetros em relação aos níveis do mar mais alto e mais baixo previstos para a data. É uma perturbação inédita, desde que começamos a monitorar a maré. A anomalia está clara, mas quase não foi sentida. O maior interesse é acadêmico. Agora sabemos que houve reflexos das tsunamis até na costa brasileira — explica Cavalcante.

Especialista diz que não houve perigo

O aparelho de Arraial do Cabo, localizado no Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), registrou anomalia semelhante. O oceanógrafo Rogério Neder Candella, da Divisão de Oceanografia Física do IEAPM, filtrou do gráfico as análise de eventos rotineiros como maré e ondas, para chegar ao reflexo das tsunamis.

— Observamos oscilações do nível do mar parecidas com marés, porém com intervalos curtos. Na análise dos dados de 22 de dezembro a 2 de janeiro, sem os fenômenos com mais de duas horas de período, como as marés, e com menos de 25 minutos de período, como as ondas, verificamos o fenômeno. No dia 26, houve um grande aumento.

Candella diz que, devido à baixa amplitude da variação, o fenômeno só poderia ter sido observado sem marégrafos e outros aparelhos de medição do nível do mar em locais como atracadouros.

— Na praia, é difícil alguém ter percebido. Não houve, em nenhum momento, perigo tanto para a população quanto para bens materiais.

Engenheiro viu variação de 2,4 metros no nível do mar

No píer do Clube Naval Charitas (Niterói), na hora em que os reflexos das tsunamis começaram a ser sentidos pela Marinha, o engenheiro Cezar Bartz, morador do veleiro Prowler, viu uma variação de aproximadamente 1,6 metro em apenas 17 minutos e 2,4 metros em seis horas. Ele jamais vira amplitude de maré superior a 1,4 metro na Baía de Guanabara:

— Voltei para o barco às 23h e percebi que estava muito abaixo do cais, num nível anormal. Vi barcos encalhados e pendurados no cais por cordas. Entre 23h do dia 26 e 2h do dia 27, a maré secou e encheu em períodos de 30 minutos, com variações totalmente absurdas. A mudança de maré era tão rápida que era possível ver a água descendo, como se houvesse um ralo no fundo do mar.