JOÃO
CARLOS BRITO - joao@veleiro.net
A frase dita em tom grave
pareceu revestida de uma enorme dose de culpa e vergonha. Afinal “voltar”
significava uma drástica alteração nos planos da tripulação e frustrava toda a
expectativa gerada durante o planejamento da travessia.
Freqüentemente escuto aqui e
acolá histórias de navegadores em travessias heróicas, feitas em condições muito
adversas, onde “tudo quebrou” dentro do barco e “nos salvamos por milagre”. Mas
será mesmo necessário colocarmos em nossa bagagem náutica tais feitos?
A cada dia a mais de
experiência que adquiro no mar, penso que não precisamos passar por tais
provações.
A
navegação de cruzeiro num barco à vela, tal como outras atividades que nos
remetem a um certo primitivismo (escalada de grandes montanhas, exploração de
lugares inóspitos e exóticos) despertam instintos adormecidos aos quais o homem
moderno não está mais preparado para lidar. Como conseqüência, encaramos o fato
de não completarmos o nosso objetivo como uma derrota pessoal, uma afronta a
nossa
capacidade e até uma demonstração de fraqueza.
Estou plenamente convencido de
que “voltar” é uma decisão muito digna e sábia, quando as condições estiverem
desfavoráveis e, ao contrário do pensamento corrente, “voltar” exige uma atitude
muito confiante e segura.
Nos
dias de hoje, dispomos de uma quantidade enorme de informações e equipamentos
náuticos: previsões de tempo confiáveis para 7 dias, facilidade de comunicações,
navegação por satélite, radares de baixo custo, que tornaram a navegação muito
mais segura, mas, ao mesmo tempo, engessaram a nossa sensibilidade.
O comandante da embarcação de
cruzeiro deve sempre estar atento para “quebrar” uma seqüência de acontecimentos
desastrosos impedindo que as conseqüências sejam graves.
Quase
todo navegante já se deparou com uma condição de vento e mar contra que, ao se
dar meia volta, pareceu que tinha melhorado instantaneamente. Os livros e as
revistas de aventuras estão cheios de relatos de acidentes graves que poderiam
ter sido evitados com a simples decisão de voltar.
Na sua próxima viagem faça um
meticuloso planejamento, consulte a previsão meteorológica. Mas não hesite em
retornar se a diversão der lugar à apreensão excessiva.
E, tal como a regra para dar o
rizo na vela grande, a hora de voltar é quando este pensamento passa pela
primeira vez em nossa mente.