Diário 9 - Maceió, Barra de São Miguel e Salvador
(22/2/2000 a 13/4/2000)
Paulinho da Viola canta que "Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar", por isto estamos no Ilhéus Iate Clube esperando a chuva passar e o mar melhorar para seguir para Salvador.
A viagem de Suape a Maceió foi tranqüila com mar calmo e vento fraco de leste, as vezes vento nenhum. No amanhecer do dia 22 de fevereiro já começamos a curtir a cor do mar de Alagoas, que é igual ao azul da preciosa água marinha. Reencontramos Galileo e agora os quatro mosqueteiros estão juntos novamente. Pra comemorar, picanha de carne de sol na brasa no Restaurante Picuí.
Ancoramos em frente a Federação Alagoana de Vela e Motor na praia de Jaraguá, ao lado do porto de Maceió. A Federação recebe muito bem, tem boas instalações, não cobra qualquer taxa e fica muito bem localizada. O único inconveniente é o desembarque na praia de fundo lodoso.
O Jaraguá é a zona portuária e como nas demais cidades do nordeste está sendo revitalizada e cheia de bares, com vida noturna ativa e na moda. Caminhando dez minutos chegávamos na Praia de Pajuçara e dai seguíamos para Sete Coqueiros (que na verdade é uma touceira com 8), depois Ponta Verde e Jatiuca. Como são bonitas as praias de Maceió, diríamos até que são as mais bonitas do nordeste. Curtimos várias vezes esta caminhada. O pôr do sol, sempre avermelhado, ficava ainda mais bonito na beira da Lagoa do Mundaú' onde fica o bairro das rendeiras com suas almofadinhas com o "risco" da elaborada e cara renda renascença e a mais típica de Maceió, a filé, tecida em bastidores quadrados.
Encontramos Juninho, nosso amigo de longas datas, e comemoramos com uma bela peixada em sua charmosa casa na praia de Garça Torta. Na Federação conhecemos Angela do Caliel, um Trinidad 37 que está nos Estados Unidos depois de curtir uma temporada no Caribe. Ela estava nos preparativos finais para retomar a viagem, mas ainda teve tempo de nos oferecer uma deliciosa pizza na sua Cantina Del Popollo, que ficará aos cuidados da sua mãe enquanto ela, seu marido Daniel e as duas filhas viajam.
Estávamos próximo do carnaval e a grande dúvida era onde passa-lo. Helio insistia em deixar o barco em Maceió e pegar um ônibus para curtir Olinda, que permanecia na sua cabeça com a cara de 20 anos atrás. Mara, que não é de carnaval e já tinha conversado com algumas pessoas que tinham freqüentado Olinda nos últimos tempos estava certa que não valia a pena. O Galileo ia para Salvador mas não queria nem ver carnaval, ia se esconder no Aratu Iate Clube. O Plinio, diretor da Federação, insistia para irmos para Barra de São Miguel, umas 18 milhas ao Sul. Enquanto decidíamos fomos de carro ate' lá estudar a barra. Pela carta náutica (no. 920) não dá pra entrar pois tem um recife fechando a entrada, mas segundo o Plinio, tem uma falha de uns 10 metros de largura com 4 de profundidade e da pra passar numa boa: "Basta seguir até o farol e achar uma pedra mais alta e passar colado nela...". É impressionante o que o velejador nordestino tem que fazer para achar uma ancoragem legal! As vezes sentimos saudades das inúmeras opções que temos na região de Angra.
O carnaval em Barra de São Miguel ganhou e seguimos para lá atrás do Plinio, sozinho em seu microtoner 19 com um motor de popa de 3.3 Hp que saia d’água nas ondas maiores. Fizemos a aproximação usando o farol como referência e depois, confiando cegamente no Plinio, seguimos seu rastro torcendo para que seu motor não parasse no meio das ondas na falha do recife. Com a adrenalina a toda, entramos sem problemas e chegamos ao paraíso. O motor do Plinio só parou do lado de dentro, mas aí já estávamos na lagoa do Roteiro formada na foz do Rio São Miguel e fomos tateando com a sonda até ele reabastecer. Ancoramos próximo a cidade e curtimos o pedaço. A cidade é pequena e gostosa, tendo como tradição o ensopado de massunin. Ficamos curiosos e fomos experimentar. Tivemos a mesma surpresa de um casal daqui que ao chegar num restaurante no Rio, querendo experimentar algo novo, pediu Talharim ao Vongole. Diz ela com aquele sotaque gostoso: Oxe, viajamos isso tudo pra comer macarrão com massunin!?
A um pulo de bote chegávamos na Praia do Gunga, uma das mais belas que já vimos, localizada numa fazenda de coqueiros onde tem o tal farol da aproximação da barra. Com uma boa caminhada de 9 Km chegamos, molhados até os ossos depois de uma forte chuva, a badalada praia do Francês, muito bonita mas cheia de bares que ocupam toda a areia com suas mesas e garçons para todo lado disputando cada turista que chega. Enquanto Ivan e Percy, os fissurados por robalos, mergulhavam nos recifes que fecham quase toda a praia formando uma piscina de águas mornas, fomos visitar a histórica cidade onde nasceu o Marechal Deodoro, que foi a primeira capital do estado e leva seu nome. Deodoro exporta músicos, possui varias bandas de pífaros e a atuante Sociedade Filarmônica Santa Cecília. Infelizmente não era sábado, dia de concerto, mas não é difícil ouvir de manhã gente ensaiando o Concerto no. 4 em Mi Menor, K 495, de Mozart.
Curtimos bastante o local mas não vimos carnaval. Saíamos todas as noites, voltávamos cedo e com a famigerada música Mandei meu Cavaco Chorar da banda Harmonia do Samba, ecoando no fundo da cabeça. Se você aceitar um desafio, escute esta música trocentas vezes e vá' dormir. Helio ficou frustado, não tomou todas nem dançou o Maracatu. Depois soubemos pelo Juninho, que foi pra Olinda, que o melhor foi o carnaval do Recife Antigo. Este Mara ia gostar.
Não tivemos coragem de sair sozinho, mesmo usando o track que o GPS fez na entrada, e esperamos mais três dias até que o Plinio nos botou barra a fora, exatamente em cima do track do GPS! Retornamos a Maceió, abastecemos o barco e esperamos um tempo bom para velejar as 270 milhas até Salvador. Neste meio tempo uma epidemia alastrou-se na flotilha matando duas baterias no Yahgan, uma no Taai-Fung e outra no MaraCatu. Despesa extra para repor a velhinha de seis anos usada na partida do motor.
Aceitamos o convite do Plinio e fomos velejando de microtoner até as famosas piscinas naturais em frente a praia de Pajuçara. É emocionante passar em cima de corais, achando, por conta da clara água, que vamos bater no fundo a qualquer momento. Um bom aprendizado pra velejar no Caribe.
Saímos aos 15 dias de março logo cedo, quase sem vento, mar bem calmo. Aos poucos um leste de 12 nós foi chegando, soprando sem levantar o mar e após três horas de motor seguimos descendo ladeira até Itaparica, numa velejada fantástica. Novo recorde, 161 milhas em 24 horas, vivas para nosso MaraCatu!
Passamos entre o banco de Santo Antônio e o Farol da Barra ainda a noite. Que vista linda. Como bem descreveu Jorge Amado: "A cidade da Bahia, plantada sobre a montanha, penetrada de mar". Salvador antigamente era chamada de cidade da Bahia. O único susto foi do João, que ia na frente e quase atropela uma bóia cega, felizmente nos avisando por rádio.
Itaparica é o Sitio Forte da baia de Todos os Santos, ou seja, um lugar lindo, boa ancoragem, água cristalina e local onde todos os velejadores vão. É o ponto de encontro. Curtimos a ancoragem e a companhia dos outros barcos.
O aniversário da Mara, aos 31 dias de março, foi comemorado em grande estilo com um banquete preparado pelos gourmet do Taai-Fung: salada de tomate, queijo e orégano; vermelho super fresco assado com alcaparras; arroz com ervas finas e pavê de chocolate. Um brinde ao comandante do MaraCatu! Também teve presente surpresa da Susy e parabéns de todos os que estavam na freqüência da Dona América.
Fizemos vários passeios pela ilha indo de Kombi até Cacha-Pregos, uma vilazinha aconchegante que pelo nome parece o fim do mundo mas nem é tão longe assim, fica no lado sul da ilha, na foz do Rio Jaguaripe. Quando o vento sul chegou, deixando a ancoragem desagradável e as ensurdecedoras britadeiras começaram a obra da nova marina corremos para Salinas de Margarida, uma vila na foz do Rio Paraguaçu. Ficamos pouco por lá mas o suficiente para provar as delicias que a Associação das Mariscadeiras preparam. Aqui o vongole do Rio e o massunin de Maceió se chama-se chumbinho.
Participamos da Regata da Redenção, uma confraternização entre o Iate Clube da Bahia - ICB e o Aratu Iate Clube. Depois de um belo coquetel oferecido aos participantes da regata, pulamos feito pipoca a noite toda numa poita do ICB, já que ele fica bem na entrada da barra. No dia seguinte, numa empopada de três horas e meia com uma acirrada disputa pescoço a pescoço com o Taai-Fung, ou seria melhor proa a proa, chegamos ao Aratu que esperava a todos com um grande churrasco e direito a videoque. Apesar de chegarmos dois metros depois do Taai-Fung (isso tá virando moda) por erro da comissão ganhamos dele no resultado oficial. O Aratu, apesar de estar a 40 minutos de ônibus de Salvador é o mais veleiro de todos os clubes que já passamos. A turma de lá é assídua e está sempre velejando.
Casualmente, andando pelo Pelourinho, encontramos Ivan Santos, músico e amigão que mora na Alemanha há oito anos, de férias pelo Brasil com sua esposa alemã Ruth. Foi uma emoção de arrepiar... Curtimos com eles o Pelourinho e uma velejada do Aratu até o Centro Náutico com um pernoite na ilha do Frade.
Por falar em Pelourinho, que nosso amigo Manolo chama de Pé-negrinho, Helio adorou ancorar no Cravinho. Aquele da cachaça com sabor de cravo, canela, gengibre... No banheiro tem uma placa: "É proibido vomitar no miquitório". Dá pra sentir o nível etílico dos freqüentadores.
Chegamos ao Centro Náutico aos 13 dias de abril para participar da quarta etapa, Salvador - Cabrália, da viagem comemorativa dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil. Mas este será' o próximo capítulo.
Beijos chuvosos de Mara, Helio & MaraCatu.
Foto anexa: Barra de São Miguel, ao fundo praia do Gunga.