Diário 13 - Rio Paraguaçu e Salvador
26/6/2000 a 01/8/2000
Na manhã do vigésimo sexto dia de junho, uma hora antes do estofo da
maré cheia, subimos a âncora e devagarzinho deixamos para traz o píer de Maragojipe. Seguimos a motor as 4 milhas que nos separavam de
São Francisco, acompanhados de Bernard e Mônica, os alemães do veleiro Jambo.
São
Francisco do Paraguaçu é um vilarejo com umas duas mil almas, escondido atrás
da vegetação que margeia o rio. Quem vem navegando mal percebe sua existência. O que realmente chama a
atenção é a monumental construção do Convento e Igreja de Santo Antonio do Paraguaçu,
debruçada sobre a margem esquerda do rio. Construída pelos franciscanos em 1686,
é considerada obra única, pois conventos deste tipo só eram construídos em cima de morros e nunca na beira de um rio. A profundidade neste ponto
é grande e ancoramos a meros 5 metros da igreja. Imediatamente colocamos os botes
n'água e seguimos, munidos de várias máquinas fotográficas, para o local. Como
já havíamos comentado, Helio voltou a fotografar e Bernard e Mônica, dentre outras coisas,
são ávidos fotógrafos e nossas excursões agora são acompanhadas de vários
cliques.
Depois de vários rolos de filme, percebemos a pequena rua que segue pela lateral da igreja e resolvemos segui-la. Andando uns poucos metros chegamos a uma
agradável praça arborizada e com alguns bares. Como de hábito, procuramos o mais
freqüentado pelos locais para compartilhamos uma cervejinha e descobrir como funciona a vida no lugar.
Estávamos escolhendo um quando Julio, mais conhecido como Nego Velho, nos abordou e nos adotou. Foi nosso cicerone por todo dia, nos apresentando a cada um que passava e nos mostrando toda a vila, desde o bar
até o que ele chama de cachoeira, onde tomamos um bom banho (a tripulação do Jambo
não quis arriscar). Pelo caminho cruzamos com pescadores que traziam peixe fresco e na mesma hora ele negociou um bom
preço pois sua comadre Dona Tonha, faria uma moqueca caseira. Dito e feito, passamos o resto do dia na casa da comadre com seus 9 filhos e agregados. Bernard e
Mônica estavam maravilhados. Antes de chegarem ao Brasil tinham recebido falsas
informações sobre o pais e tinham um comportamento bem retraído. A medida que
começaram a andar com a gente foram relaxando e curtindo cada vez mais. No dia seguinte, Bernard voltou na casa da comadre munido de uma Polaroid e cada vez que surgia uma imagem no papel aparecia mais gente querendo ser fotografado. O
difícil, no final, foi fazer caber todos numa única foto.
Queríamos conhecer Iguape, fundada pelos jesuítas lá pelos idos de 1561 e a mais antiga vila do
Paraguaçu, mas não tínhamos carta e o caminho pelo rio não nos foi aconselhado sem a ajuda de um guia local. Decidimos
então caminhar, debaixo de um sol de rachar coco, os 7 km até lá. Valeu o esforço, encontramos mais um monumento tombado, a Matriz de Santiago do Iguape,
construída nos mesmos padrões da famosa Igreja do Bonfim em Salvador. A igreja
está quase abandonada, mas tivemos a sorte de encontrar Dona Neném, a guardiã, que abriu e nos mostrou toda a igreja. Uma rara imagem de um Cristo crucificado
compõe o altar. Ele tem os braços articulados e na procissão do Senhor Morto ele
é tirado da cruz e colocado, com os braços ao longo do corpo, num caixão de vidro. A volta foi num
ônibus de linha que passa uma vez por dia. O happy hour no Jambo nos reservou uma surpresa.
Bernard que é arquiteto, fotógrafo e músico profissional, montou um amplificador 12 volts e tocou guitarra
até tarde. Como não podia faltar, a saideira foi com Stairway to Heaven do Led Zeppelin tocada a todo volume.
Seguindo rio abaixo, encontramos outra raridade, a Capela Nossa Senhora da
Peña. Construída em 1660, fiel ao espírito do renascimento e localizada numa antiga fazenda chamada Engenho Velho
é a única neste estilo no Brasil. Ancoramos defronte e fomos visitá-la, mas infelizmente as visitas
só são permitidas com a presença do dono, que não estava neste dia. É contrastante
o visual do Engenho Velho e seu vizinho, a moderna e enorme casa (parece mais um clube) do Secretario de Transportes da Bahia.
Ainda rio abaixo, pegamos as poitas existentes em frente a Pousada e Restaurante Gruta do Sol, do casal Paulo e Najla. A
recepção foi calorosa. Assim que desembarcamos nos ofereceram todas as instalações
do local, um papo muito agradável e uma porção de camarão VG de cortesia. No fim da tarde, caminhamos 15 minutos pela mata e chegamos a uma queda
d'água cristalina, gelada, com uns 12 metros de altura, onde matamos um pouco as saudades de Angra. Desta vez a
tripulação do Jambo se animou e todos tomaram banho. Mônica que tinha esquecido a parte de cima do biquine, foi convencida por Bernard com a frase,
"Não tem problema, brasileiro não liga pra peito, o que eles gostam mesmo de ver
é bunda". Esse cara já conhece um pouco do Brasil.
Ficamos alguns dias na mordomia da poita explorando as redondezas com a Unidade
Móvel. Um dos lugares que visitamos foi o Guimarães. Bem recebidos pelos caseiros da pousada Mutuca, que tem uma
Araçuam como mascote, nos levaram a mais uma cachoeira, esta menor mas mais bonita que a da Gruta do Sol.
O ultimo trecho rio abaixo foi feito pelo Canal de Dentro formado pela Ilha do Monte Cristo, exuberante em mangues numa manha de
água espelhada pela falta de vento. Já na foz, uma breve parada na vila da Barra para visitar o Farol da Ponta do Alambique.
Conversando com os velejadores baianos descobrimos que ainda falta muito para conhecer no velho
Paraguaçu e com certeza voltaremos por lá.
Paramos em Salinas de Margarida para apresentar a turma do Jambo as delícias preparadas pela D. Maria da
Associação das Mariscadeiras e aprendemos mais um pouco de história do Brasil. Aqui na Bahia o dia 2 de julho
é feriado. Comemora-se a Consolidação da Independência, com parada cívica tendo como abre alas o Caboclo e a Cabocla puxados numa
carroça enfeitada com flores e pintada de verde e amarelo. Novamente mais cliques.
Depois de uma parada no Aratu Iate Clube, onde comemos o já tradicional churrasco da sexta-feira, seguimos para o bem localizado Centro
Náutico em Salvador, pois Mara esperava a visita do seu filho Fernando e Bernard a da sua
irmã Maria. Passamos alguns dias curtindo a cidade com os visitantes e recebemos ainda a visita do Ricardo Canella, velho parceiro da FGV, com quem fomos
almoçar no Restaurante do SENAC. Helio comeu tanto que no fim estava com dificuldade para respirar. Recebemos
também a visita de Peter e Annelise do Nori e curtimos juntos alguns dias tranqüilos
em Itaparica.
Visitas encerradas, seguimos novamente para o Aratu onde pretendíamos subir o barco para pintura de fundo. No dia marcado para tal tarefa, Mara encontrou com o Mario do Crisan, que tinha deixado o barco aqui e voltado para
São Paulo. Ao dar as boas vindas ficou sabendo que ele estava apenas de passagem pois tinha sido convidado pelo Jadir para levar um saveiro
até a Itália. O Jadir, que estava na Bahia Marina, ao saber que estávamos na área
ligou fazendo o convite para nos juntarmos a tripulação. Num primeiro instante ficamos em
dúvida. De Salvador a Sicília num saveiro... Os baianos diziam que isto era loucura.
João, que acabara de chegar do Rio, e Bernard davam a maior força. Decisão tomada, suspendemos a subida, arrumamos uma boa vaga no
píer para o MaraCatu, preparamos nossas mochilas e embarcamos na Valtur Bahia. Mas desta aventura
vocês só saberão mais tarde.
Nota dos redatores: A revista Náutica que ainda está nas bancas, a de numero 146
(mês de outubro) e que tem uma foto da Barreira de Coral na capa, traz um artigo escrito pela
tripulação do MaraCatu que conta a grata surpresa que foi descobrir Santo André, mais um porto seguro na costa sul da Bahia.