Um mar dourado sem ondas, vento de 20 nós, num entardecer perfeito entre a Ilha de Spetsai e porto Kheli no mar Egeu, Grécia, agosto de 2008

Sempre pensei  que o mar de cor azul, era o mais bonito de todos,
algumas vezes o vi verde esmeralda, maravilhoso,
Transparente...
Um vez por dez dias vi um mar violeta, indescritível.
Me surpreendi quando num entardecer,
velejando, o mar se tingiu de dourado,
e descobri que nessa cor o mar é ainda mais fascinante.
Hoje meu mar é dourado...
Chris


Permissão para embarcar !?!
 


Me lembro da expectativa na primeira vez que disse essa frase,  há  mais de onze anos!
E mesmo hoje depois de ter navegado em tantos barcos, com outras tantas tripulações diferentes, ainda é uma surpresa o que se pode encontrar a bordo.
Embora  existam regras, cada situação é única, cada barco e cada viagem uma história exclusiva.
Mas aprendi uma coisa que é denominador comum, embarcadas, as pessoas mudam, o pequeno espaço, as restrições de convívio, as sabedorias absolutas, depois de uns poucos dias, começam a despertar a verdadeira natureza humana, aquela bem primitiva, principalmente quando o mar é grosso, chove e o vento é forte.
Resumindo: o que se faz a bordo além da fantasia de navegar pelos mares, é administrar egos gigantescos.
Sempre ouço falar em espírito de equipe, no grupo, o coletivo em primeiro lugar, mas o que  observo é que sempre tem algumas personalidades que se destacam, pelo positivo ou negativo. Poucas vezes tive equipes que estavam sempre atento ao que o companheiro estava fazendo para dar continuidade ou não atrapalhar.
Independente das experiências caóticas que vivi, a vida ou melhor as viagens, a bordo têm seu lado cômico.
Me lembro de algumas: estava na minha primeira travessia marítima, Vitória/Angra dos Reis, sem escalas, as primeiras horas foram desagradáveis, o mar desencontrado, vento contra; mas ao anoitecer o mar acalmou e o vento virou para uma orça folgada, o céu sem nuvens, nem lua, somente um mar,  estrelas e planetas. Estava em êxtase, naquele instante tive a certeza que esse era o meu lugar no mundo, até ai tudo bem, mas só eu vivia aquele momento, pois meu parceiro de viagem se acabava em enjôos e mal estar. Ao perguntar-lhe se tudo aquilo não era o que sempre quis, a resposta que ouvi foi: não, acho que não estou gostando. Na mesma viagem enquanto estava dentro da cabine fazendo o almoço o resto da tripulação implorava que para que eu saísse da cabine que eles estavam enjoando só de me ver lá dentro. Mas eu estava no nirvana, não é porque não enjoava mas porque era muita adrenalina e felicidade.
Uma vez trabalhando num veleiro de 45 pés como tripulante de charter, vi hóspedes que se comportavam como se estivessem em navios, trocando de roupas a cada refeição e gastando água doce  e abrindo a geladeira como se estive em casa, outra  vez ouvi um barulho estranho e corri pra ver o que era, achei uma hóspede com  o secador ligado, o barco estava velejando e o gerador não estava ligado. Pra quem não tem muita intimidade com limitações da vida a bordo, a energia elétrica é um grande problema, a gente passa o dia todo correndo atrás do prejuízo, a neurótica equação gerar mais do que consegue gastar.
Outra boa foi quando um leigo apertou todos os botões e chaves do painel elétrico, enquanto navegávamos a motor, para ver o que acontecia, tudo bem, ele era dono do barco, mas não entendia nada. Além de todas histórias e estórias que ouço contar e recontar pelos portos e ancouradoros que passo,  tem sempre as gigantescas ondas, fortes ventos de forças improváveis no Brasil e todo romantismo que pede qualquer narrativa de aventura.
E para falar a verdade eu também tenho as minhas pra contar, com detalhes aterrorizantes, o pior de tudo são viagens com muita gente, é sempre  caos, a água é sempre pouca mesmo que que se tenha um reservatório de 1200L e um dessalinizador,  muita água nunca é o bastante, depois de todo esse tempo embarcado a solução é não ter água com bomba elétrica nas torneiras de água doce.
O prazo de validade para um cruzeiro de férias com muita gente ( e estou falando coisa de umas 14 pessoas num barco de 80 pés), é de 2 semanas no máximo, o ideal são 8 dias. Mas normalmente no quarto a quinto dia as pessoas já estão brigando ou de cara feia uns para os outros.
Pelos portos e marinas encontramos muita gente de mar, amigos que fazemos sem a preocupação de quando iremos nos ver novamente, muitas vezes, mesmo sem tornar a vê-los mantemos a amizade por anos a fio, graças a internet. Mas o curioso são as pessoas que sonham com barcos, veleiros, e caminham nos piers e marinas alimentando sua fantasia, nos fazem dezenas de perguntas básicas,  trazendo no inconsciente a imagem do paraíso - uma praia deserta, coqueiros, um veleiro, tudo banhado por um mar de águas claras e a luz alaranjada de um pôr-do-sol. Ou como aquele momento perfeito da foto acima que tirei.
Hoje um barco não é mais uma novidade, mas a áurea de mistério que envolve cada veleiro que encontro, continua. E mesmo com todas as encrencas que já vi, vivi, eu adoro estar a bordo, embora hoje com muito mais critério para embarcar e mais ainda para desembarcar se necessário. Se bem que o  eu gosto mesmo é o que farei mês que vem por 6 meses, velejar de férias, com calma pelo litoral brasileiro, porque depois desse trabalho aqui no Mediterrâneo, eu preciso bons momentos de paz e silêncio a bordo, velejando sem pressa de chegar, só no sabor do vento e do mar.

Bons ventos

Spetsai, agosto de 2008.

Christina Amaral

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