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Clique aqui para conhecer a história do veleiro Luthier e sua tripulação

 

Versão da Catarina

Tem um assunto que aterroriza qualquer comandante de embarcação, e sua tripulação, homem ou mulher, de qualquer nacionalidade. Não é tubarão, mar grosso ou temporal, nem ferro garrando, ou alma penada, é a …barata. Todo mundo tem uma estória de horror para contar.
Quando chegamos no TENAB, havia um veleiro alemão infestado por elas. O comandante resolveu fechar o barco e dedetizá-lo. Deixou o gato de estimação no veleiro chileno, atracado por nosso bombordo, que também estava tomado pelas ditas cujas.
Contou-me a tripulante de um veleiro holandês, com a feição visivelmente transtornada, ter pego a praga em Israel, e que veneno nenhum teria dado jeito; teve que fechar o barco num inverno rigoroso, sem água, nem comida, e elas finalmente morreram, por inanição. Hoje, ela deixa as frutas e legumes pendurados no cockpit, ou os coloca direto na geladeira, e seca as pias todas as noites. Será que isso já não é paranoia?
Um casal sul-africano nos contou que elas estão fora de controle em seu país, aliás, eles as têm no barco. Dizem que, como o ciclo das “cucarachas” é curto, já nascem e se reproduzem antes de morrer com o veneno, deixando ovos postos, para eclodirem. Eles foram nos visitar, e eu fiquei olhando fixamente para a mochila de onde tiraram o laptop, para ver se não saia nenhuma dali. Acho que estou ficando paranoica…
Saída de Salvador Mas todos são unânimes quanto a tirar as embalagens de papelão dos alimentos e produtos que entram no barco, e até os seus rótulos. Que mais se pode fazer?
Falando de bicho melhor, nossa diversão no TENAB era jogar pão amanhecido para os peixes, porque a água é transparente e aparecem muitos, sargentos, manjubas, e outros coloridos. Chamávamos nosso vizinho uruguaio, que adorava fazer isso, tanto que os peixes andavam atrás dele. Um dia, apareceu no cais um moço de camisa vermelha, para ver a brincadeira, e os peixes se esconderam, rapidinho. Essa cor desagrada muitos animais, de papagaio ao touro.
Agora estamos em Itaparica, para meu deleite. O Dorival queria ficar mais uns dias em Salvador, porque ele adorou aquele lugar, e ainda queria comprar uns parafusos na Calçada, uns acessórios no Taboão, visitar outros museus e igrejas, apreciar o sagrado acarajé da baiana, etc… Mas ficou para depois; ainda voltamos lá, antes de irmos para Recife.
E nos últimos dias em Salvador, num final de tarde, o Dorival me avisou que estava saindo para resgatar um veleiro à deriva, junto com um skipper espanhol. Depois de uma meia hora, vi o espanhol voltando sozinho no bote. Quando chegou, me avisou que o Dorival tinha conhecido “una chica muy guapa”, e tinha ficado por lá. Palhaçada dele, mas nessa vida tem que dar risada, mesmo. E afinal, nada que não se resolva com ácido, como aprendi por aqui: uma mulher jogou ácido em outra, suposta amante de seu companheiro, em um salão de beleza no Pelourinho.
Veleiro encalhado na coroa Bem, ele me avisou que o Dorival tinha ficado para trazer o barco na vela, porque estavam sem motor, e iriam se comunicar conosco pelo rádio, sendo que a operação deveria durar mais de 1 hora. Então, entrei no barco e fui fazer um lanche para mim. Uns 15 minutos depois, chamou uma mulher, pelo rádio, identificou-se e disse que estavam vindo à vela; perguntei se precisavam de mais algum apoio, e como ela respondeu que estava tudo sob controle, fiquei aguardando nova chamada. Uma meia hora depois, ela me disse que estavam no Forte de São Marcelo, logo ali em frente. Saí depressa, chamando pelos tripulantes uruguaios do barco ao lado, que saíram atarantados, perguntando: “que pasa?”. O skipper do trimarã estava ouvindo nossa conversa pelo rádio, e tinha saído antes, com o bote, para ajudar na atracação, que por fim foi feita com dois botes.
Deu tudo certo. Todos chegaram bem, barco e tripulação. Ganhamos um vinho.
Como tudo é festa, fomos almoçar no trimaran no dia seguinte, e compartilhar o vinho. E o skipper espanhol, que já trabalhou com golfinhos e baleias, e nas filmagens do “Blue Planet” da BBC, nos contou que os parques aquáticos enchem esses bichos de tranquilizantes, para mantê-los confinados, e que, naquele famoso vídeo em que uma baleia orca pula por cima de outra, com o treinador no meio, a motivação foi o ciúme do treinador. Os relacionamentos ficam bem atrapalhados.
Fizemos uma boa viagem para Itaparica, com pouco vento. Insistimos na vela um bom tempo, andando a três nós. Tempo para observar muitos navios cargueiros e a paisagem de morrinhos de, no máximo, 100m de altura, tão diferentes da Serra do
Veleiros em ItaparicaMar, de mais de 1000 metros, que se avista no litoral do sudeste.
Cá estamos, ancorados numa piscina, com coroas por todos os lados. Assim, o Luthier gosta. E eu também.
Quando chegamos, encontramos um veleiro de bandeira holandesa, que estava no TENAB. Nos contaram que estavam sem motor, e sugerimos que eles voltassem na vela, caso não conseguissem consertá-lo, já que tinha começado a soprar um bom sudoeste. E foi o que fizeram. Lá se foi mais um barco “sin maquina” para o Cais Cayru.
Para encerrar, não gosto das mudanças ortográficas; alguns estudiosos da língua se recusam a aceitá-las, e dizem que vão fazê-lo só a partir de 2012.
O resto fica para a próxima. Como escutei aqui, no rádio: “que aconteça tudo de bom para você”.

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Versão do Dorival

A saída do TENAB para Itaparica atrasou um pouco porque ficamos esperando o enchimento de um botijão de gás, e me envolvi com o resgate de um veleiro, que estava à deriva na Bahia de Todos os Santos.
Na tarde de sexta-feira do dia 17 de julho, eu estava conversando, no cais, com o capitão de um trimarã de 63 pés, um espanhol muito simpático e experiente, quando fomos interrompidos por um funcionário do TENAB que havia recebido um telefonema pedindo ajuda para resgate de um veleiro, que estava sem motor, à deriva, próximo à Ilha de Itaparica, na face que fica em frente à Salvador.
O Veleiro saiu de Itaparica rebocado por uma pequena traineira. O leme da traineira quebrou e os dois estavam à deriva, próximos a um navio ancorado, quando, de bote, chegamos eu e o capitão do trimarã. Subi no veleiro e desci na cabine para ver se estava fazendo água, enquanto isso, meu companheiro passava a nossa posição para a Capitania dos Portos e soltava as amarras que prendiam o veleiro à traineira. O veleiro não estava fazendo água. Assim que soltamos os barcos, abri a genoa e velejamos para fora da proa do navio, que buzinava a cada 2 minutos. Estávamos, mais ou menos, a 100 metros do navio. O casal a bordo do veleiro, 36 pés, estava bastante assustado; tratei de acalmá-los continuando a velejar, só com genoa, com o vento de popa, para afastar do navio até uma posição segura. A lancha da Capitania dos Portos, depois de verificar que estávamos bem, foi rebocar a traineira até o TENAB. Depois de desenroscar vários cabos, levantei a mestra e começamos a velejar em uma orça fechada, dando vários bordos até chegar próximo ao Forte de São Marcelo. Enrolei a genoa e baixei a mestra quando estava entre o molhe e a bóia cega, que fica ao lado do forte. Dois botes já nos esperavam para ajudar na atracação. Levamos 45 minutos para chegar, o vento de 16 nós permitiu velocidades de 6 a 6,5 nós. Pedi à mulher que estava a bordo para falar no rádio com a Catarina. Acho que a voz tranquila da Catarina ajudou que ela se acalmasse. Sem heroísmo algum, chegamos tranquilos, em uma velejada noturna muito gostosa.
Depois desse evento, por menor que seja a navegação que eu for fazer a motor, e seja aonde for, vou deixar o Luthier prontinho para velejar, porque ter que arrumar os cabos na correria, porque o motor parou, em geral, complica muito.
Os estais do Luthier estão com apenas seis meses de uso e 1250 milhas navegadas, a maior parte costeira. Notei que a tensão nos cabos de aço caiu muito na viagem de Vitória para Salvador, por isso, refiz a regulagem.
Prendi o botijão de gás (de alumínio, operação horizontal) na targa, mas deixei para terminar a instalação em Itaparica, porque vou ter que fazer um furo de passagem para mangueira, selar a madeira com epóxi, instalar um flange com sikaflex, etc…
Saída de Salvador 1 Saímos para Itaparica dia 20 de julho às 10:00 hs, com vento de través bem fraco, 5 a 6 nós, que nos levou a 3 nós até o meio da baia, onde começamos a orçar. Próximo à Itaparica o vento parou (menos de 3 nós), ligamos o motor e, sem pressa, fomos a 5 nós até a região da marina em Itaparica.
Eu e a Catarina temos um acordo: em locais abrigados, se não houver razão para pressa, só ligamos o motor se não for possível velejar a mais do que 3 nós.
Há, na minha opinião, uma grande diferença entre velejar em mar aberto (navegação costeira) e em regiões abrigadas.
Na navegação costeira, em geral (pelo menos no inverno), os ventos e ondas envolvidos são maiores do que em regiões abrigadas, e as mudanças climáticas podem ser um fator importante, limitando o tempo disponível para se chegar ao destino. Até agora, adotei, por sugestão de amigos mais experientes, 6 nós como velocidade média desejada. Toda vez que a velocidade média poderia ser comprometida, eu usei o motor para ajudar. Talvez no verão as janelas de tempo para as travessias sejam maiores e possamos adotar outra velocidade. O Vento, em geral maior que 15 nós, além de obrigar o uso de rizo, não exige ajuste fino da regulagem das velas para se conseguir a velocidade desejada. Nesse tipo de navegação adoto mais critérios de segurança e conforto no ajuste das velas, do que desempenho, tudo dependendo da condição do mar.
Em baias e outros lugares abrigados, velejar é bem diferente. O mar em geral é calmo, e os ventos abaixo de 15 nós. Na época em que eu tinha que voltar para a marina em tempo de viajar para trabalhar, depois de um feriadão ou fim de semana, não dava para ficar velejando devagar. Ligar o motor era a única opção. Depois que viemos morar a bordo, se o tempo está bom, adoro velejar com pouco vento, e ficar fazendo ajustes finos nas velas para ganhar imaginários 0,1 nós de velocidade. Uso genaker ou balão, e vamos devagarzinho curtindo a paisagem. Assim foi nas diversas idas e vindas de Paraty para Angra, entre Bracuhy e Vila do Abraão, e agora de Salvador até perto de Itaparica.
Velejando para Itaparica Ainda estou estudando as cartas aqui da região, existem muitos bancos e coroas de areia. Em alguns lugares a passagem não é larga o suficiente para ficar cambando e orçando. Dependendo do vento, do clima e do destino, vamos ter que usar motor, por segurança. O Luthier tem quilha de bulbo com fundo chato. Ainda não tive a experiência, mas me contaram que encalhar na areia com esse tipo de quilha costuma ser uma encrenca das boas para desencalhar. Não pretendo testar.
Estamos ancorados entre a marina e uma coroa de areia, que na maré baixa fica toda à mostra. O espancamento de um casal de franceses em dezembro do ano passado e o assassinato de um velejador no início do ano ainda estão bem presentes na memória dos moradores locais. Estamos dormindo trancados.
A cidade está deserta, baixa temporada. O lugar é lindo, têm outros 29 veleiros ancorados por aqui. Já emagreci um quilo.

6 Responses to “Saída para Itaparica – Veleiro Luthier”

  1. Ivan disse:

    Catarina e Dorival,
    Até que enfim escreveram de novo. Deve ser influência do modo baiano de ser, né? Continuamos “viajando” com vocês, quase revendo esses lugares e esse ambiente que relatam. Aproveitando que estão em Itaparica pensem em fazer o passeio pelo canal até Caixa Prego. É bem interessante e vocês podem obter as dicas de navegação e de fundeio com qualquer colega veleiro de Salvador.
    Um abraço,
    Ivan e Egle

  2. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Olá Ivan e Egle,
    Ainda estamos em Itaparica, esperando chegar pelo correio o documento do barco. A marinha levou, somente, 15 meses para emitir.
    Em breve vamos explorar a região, e seguiremos sua sugestão. Há muitos lugares para visitar, o que não der para ver até o fim do mês, veremos quando voltarmos de Recife. Sem “estresse”, afinal, estamos na Bahia.
    Abraço
    Dorival e Catarina

  3. Ivan disse:

    Mais uma coisinha, Dorival e Catarina (principalmente Catarina, acho eu): aqui no Taai-Fung II temos tido sucesso em manter as baratas desembarcadas desde o lançamento do veleiro em 1992, utilizando sempre aquelas armadilhas vendidas em super mercados. Colocamos duas ou três espalhadas em lugares onde não incomodam e as renovamos de vez em quando ou se aparecerem alguns desses indesejáveis clandestinos a bordo.
    Abraços,
    Ivan e Egle

  4. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Olá Ivan e Egle,

    Até agora não tivemos problemas com as pernósticas. Ufa! Mas também vou colocar dessas armadilhas. Valeu a dica.

    Abraços

    Catarina

  5. conde disse:

    Fiquei surpreendido com essa praga das baratas, pois por aqui nunca ouvi falar em tal coisa, não digo que não exista, mas é estranho que nunca foi tocado esse assunto entre as pessoas que conheço, vou indagar!.
    A vossa cidade de origem é o Recife?, é a zona do Brasil que eu conheço melhor, mesmo assim conheço mal. Durante anos a familia fez férias ai por perto, numa fazendo em Rio Formoso_Tamandaré.

  6. Dorival Gimenes Júnior disse:

    Olá Conde,
    Pois é, é um problema comum no Brasil, e todos os velejadores de fora que encontramos por aqui, também relatam que o tem ou tiveram.
    Somos do Interior de São Paulo, o barco foi construido no jardim de casa em Campinas, e colocado na água em Paraty, litoral do Rio de Janeiro.
    Com o calor e a umidade aqui no nordeste, temos visto muitas baratas em banheiros de marinas, cais e até mesmo em Supermercados, das grandes e das pequenas.
    Abraço
    Dorival e Catarina

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