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Versão da Catarina
Nos últimos dias que passamos em Salvador, antes de seguirmos para Recife, começaram a chegar os primeiros barcos brasileiros, para participar da Refeno. Até então, só estávamos tendo contato com barcos estrangeiros, e deu para aprender bastante coisa com eles.
Aprendi a fazer o “Pão da Tracy”, uma sul-africana que perdeu 11 quilos na travessia para o Brasil, de tanto enjoar, e me deu empolgada sua receita. Comi do pão, feito por ela, numa reunião de velejadores, na prainha de Itaparica. É muito prático de fazer, porque só leva farinha, água, e fermento em pó, não o biológico, sendo “assado” numa frigideira antiaderente; se não for comido na hora, vira uma pedra. Não se compara ao pão assado, feito com fermento biológico; dá até para suspeitar do porquê ela teria emagrecido tanto. Concluí que esta seria minha última opção, numa travessia.
Achei interessante o modo como assam o peixe e o frango numa fogueira, enrolados no papel alumínio. Conseguem fazer um bom jantar com poucos recursos.
Também aprendi a comer “fondue”, à moda suíça, acompanhado de uma bebida à base de cerejas, para molhar o pão, e de vinho branco. Dá para imaginar o suador que causa uma comida dessas no calor de Salvador, com aquela panela acesa permanentemente, em cima da mesa de servir, somado ao calor de um lampião, bem em cima de nossas cabeças. Os anfitriões quiseram servir o que eles têm de melhor, foram muito delicados. Só não consigo aprender a gostar de vinho branco.
Eles também estranham nossas comidas: uma holandesa me disse, num churrasco em um barco brasileiro, que nossa farofa parecia areia da praia; de certa forma, ela tem razão.
Na nossa saída da Baía de Todos os Santos, no dia 27/08, com destino a Recife, o Dorival me saudou “_Bem-vinda ao clube”, quando subi no cockpit para vomitar. O mar estava batido, e eu dei uma bobeira: ao invés de ficar lá fora, me acostumando ao balanço, resolvi lavar a louça do café da manhã, naquela neura de deixar tudo limpo, arrumado. Meu corpo também não estava na melhor forma, ainda estava me recuperando de um resfriado, um pouco congestionada. Sei que enjoar é muito ruim!
Me lembrei dos baianos e clamei: misericórdia! Pensei na minha mãe, nos amigos novos que fizemos, e nos antigos, em coisas boas da vida, e cochilei. Quando acordei, já estava me sentindo melhor. Logo depois, me deu uma fominha, comi e fiquei bem. Para o Dorival, a misericórdia não veio tão cedo, mesmo tomando remédios; eu jurei que iria levá-lo para fazer acupuntura no Recife, quando chegássemos, minha última esperança. Dava desespero vê-lo desidratar.
Já aprendi que, para subir a Costa com frente fria se pega vento favorável, o que é bom, mas junto vem o mar mais alto, então paciência, tem que se acostumar ao desconforto. Pelo menos, pudemos velejar a maior parte do trajeto, mas pegamos muita chuva.
Próximo à Aracajú, fomos acompanhados por muitos golfinhos, que cercavam o barco. Pareceram-me menores do que os que eu já vi, e com o dorso mais escuro.
À noite quase não havia barcos de pesca, pois passamos para lá da Plataforma Continental, em profundidades elevadas, mas avistei alguns cargueiros; um deles passou um pouco mais perto, a uma distância segura, parecendo uma árvore de natal, de tão iluminado; fiquei pensando em quantas árvores ele não teria que plantar, para compensar tamanho consumo de energia.
Na manhã do dia 28, acordamos com peixinhos no convés, provavelmente atraídos pelas luzes de navegação.
A chuva, e a nossa condição física nessa viagem, que não estava das melhores, fez com que avaliássemos a possibilidade de parar em Maceió, para descansar, e foi o que fizemos. Lá chegamos no dia 29, às 7:30 horas. Pegamos uma poita da Federação de Vela de Maceió, perto do Porto. Logo fomos abordados por um barqueiro, que faz o trajeto até a Federação, e vende água e diesel.
As águas que cercam Maceió são de um verde mais claro que as de Salvador, e contrastam com o azul do mar de maior profundidade de lá de fora. E quanta luminosidade!
O desembarque na Federação é feito no meio de lixo, muitos sacos e embalagens na prainha que fica em frente; achei meio trágico quando o barqueiro indicou um saco preto cheio, sabe-se lá do que, para que eu pisasse, como apoio ao desembarque. Isso é que é entrar pela porta dos fundos de um lugar! Como diz a Cássia Eller: “explicação, não tem explicação, não tem, não tem”.
A Federação dá para uma rua que chega à orla de Maceió, na Praia de Pajussara, muito bonita, com bancos de areia em frente, e muitos saveiros de passeio.
Depois de 2 dias de descanso partimos para Recife, na expectativa de pegar uma janelinha de tempo com vento favorável, que se confirmou no nosso trajeto: velejamos praticamente o tempo todo. Pegamos um Pirajá, do qual não foi possível desviar, que trouxe ventos de 30 nós, e chuva.
Na altura da Barra de Camaragibe, uma grata surpresa: duas baleias passaram numa rota paralela à nossa, dando saltos para trás, soltando borrifos dágua, fazendo arruaça; daí para a frente, vimos muitas delas, dando show para nós.
A ótima novidade do trajeto foi o Dorival não vomitar. Tive companhia para conversar, pudemos dividir melhor os turnos, fiquei mais tranquila por ele estar bem. Como dizem os baianos: “Deus é mais”.
Chegamos em Recife no dia 1º de setembro, e rumamos paro Iate Clube Cabanga, não sem antes encalharmos no Canal. Íamos esperar a maré subir, quando o clube mandou apoio. Encalhamos de novo na entrada da vaga.
Agora vamos explorar a cidade, e preparar o barco para a Regata, “visse”?
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Versão do Dorival
Voltamos de Itaparica para Salvador (TENAB) com a intenção de preparar o Luthier para viajar para o Recife. A idéia era ficar uma semana no máximo, e voltar para Itaparica para esperar uma boa janela de tempo. Mas as coisas nunca são assim tão precisas, logo fiquei com uma gripe forte, que começou com uma dor de garganta, dor de cabeça e, quando apareceu a febre, fomos a um Hospital.
No Hospital Santa Isabel me foi informado que o atendimento demoraria porque havia muita gente no pronto socorro devido à ocorrência da Influenza A (H1N1). Prontamente, deram uma máscara para mim e outra para a Catarina. Depois de duas horas, fui muito bem atendido, o médico me examinou e diagnosticou que não era Influenza A, mas uma variação da gripe comum que na Bahia está ocorrendo, com a característica especial de provocar uma dor de cabeça muito intensa. Fui medicado e fiquei com “dengo” 3 dias no Luthier, sem fazer praticamente nada. Acreditem, não me lembro ter sido tratado com tanto carinho e cuidado como nesse hospital.
Claro que, na sequência, a Catarina também ficou doente, mas de uma forma muito mais amena. Enquanto não ficamos curados, tive a oportunidade de ter, por dois dias, a bordo do Luthier, um AIS classe B. Gostei muito, pode-se ver a posição, nome, rota e velocidade de todos os navios em um range de 10 milhas (depende da altura da antena). Também iniciei o acompanhamento, pelo SSB, de um veleiro que estava viajando para a Europa. No TENAB, com a grande quantidade de mastros à volta, geladeiras e carregadores de bateria gerando ruído, a recepção foi muito prejudicada mas, mesmo assim, consegui contato. Os tripulantes do veleiro estavam bem.
Dia 27 de Agosto, seguimos com uma rota planejada diretamente para Recife. Enquanto saíamos da Baia de Todos os Santos tivemos vento contra e, devido aos 29 navios ancorados, preferi motorar. Logo que saímos, um vento SE (través) nos permitiu velejar a 6,5 nós. Em seguida, fomos brindados com chuva, muita chuva, o mar aumentou, e o vento começou a aumentar até 25 nós e cair a 5 nós, em intervalos de algumas horas. Todo esse movimento, ajustar velas, chuva, ligar motor, desligar motor, etc., me fez passar mal, vomitei muito. Foram 43 horas dessa forma. Decidimos parar em Maceió para descansar.
A viagem de Salvador a Maceió levou 47 horas, 12 delas usando motor. A velocidade média foi de pouco mais de 6 nós. Ficamos em Maceió dois dias, fomos até a praia de Pajussara (em alguns lugares com outra grafia – Pajuçara). Usamos uma poita muito boa e bem posicionada, mas o desembarque é em uma praia onde não se vê a areia, só têm sacos de lixo. É um lixão.
Na poita, em Maceió, e também porque a propagação melhorou, pude entrar em contato todo dia com o veleiro que eu estava acompanhando, que, a essa altura, já estava viajando de Cabo Verde para as Ilhas Canárias. Eles estavam enfrentando ondas altas e ventos fortes. Pude passar as previsões do tempo pelo rádio SSB diariamente. Todo dia anotei a posição, o rumo verdadeiro e a velocidade, para passar para os amigos que estavam apreensivos e também para que o comandante do veleiro se sentisse melhor, porque sabia que eu o estava acompanhando. As previsões, elaboradas com a ajuda de um amigo mais experiente, ajudaram que eles se preparassem para enfrentar o tempo, e decidissem pelo melhor rumo.
Saímos de Maceió dia 31 às 9:30 hs, com previsão de ventos SE e ondas de 1,5 metros. A viagem de Maceió até Recife foi “ÓTIMA”: enjoei pouco e não vomitei, o vento foi se alterando caprichosamente, de forma que enquanto eu contornava a costa sempre tinha um través muito gostoso; as ondas estavam com 1,5 metros em média com período de 6 segundos, consegui falar com o veleiro que estava acompanhando sem qualquer problema de interferência no funcionamento dos instrumentos e equipamentos do Luthier.
Agradeço aos amigos que fizeram muitas sugestões sobre controle do enjôo. O que deu certo para mim, desta vez, foi não tomar remédio, nenhum mesmo. Manter o estomago cheio, mas não muito, ajuda bastante, também. Talvez eu esteja acostumando.
A viagem de Maceió até Recife levou 22 horas, velejamos quase todo o tempo, desde 100 metros da poita em Maceió até 2 milhas do molhe que fica em frente à entrada do canal. A entrada foi feita a motor, devagar, porque havia muitas canoas de pesca e eu não conhecia a região. A velocidade média foi de 6 nós.
Fomos muito bem recebidos no Cabanga, o Clube ainda está vazio e calmo. Por isso, com pouca interferência, consegui acompanhar, pelo SSB, por mais dois dias, a viagem do outro veleiro. Fiquei feliz de saber que eles estão bem, superaram as condições de mar e vento e estão quase chegando nas Ilhas Canárias.
Hoje em dia, existem muitas formas de comunicação para quem está no mar, principalmente, via Satélite, mas eu acho que: o velho e bom SSB, que permite a comunicação grátis e independente, para tomar a posição e outros dados de navegação, aliado à espera da hora marcada para a conversa, acaba por fazer o dia passar mais rápido, é humano, ajuda muito saber que independente de terceiros (operadoras), haverá do outro lado alguém com quem falar.
O Sol que tem como um de seus caprichos ciclos de 11 anos no número de manchas, que alteram o seu fluxo de radiação eletromagnética, é um dos fatores preponderantes na propagação de sinais radioelétricos. Hoje estamos saindo do fundo do poço, praticamente não há manchas solares, e a propagação anda ruim. Daqui a um ano, mais ou menos, com o início de um novo ciclo de 11 anos, a propagação vai melhorar muito.
Agora vamos aproveitar Recife, preparar o Luthier para a regata (REFENO), e aprender como é que se faz uma largada, o que para mim é novidade completa. Aceito dicas, palpites etc. que me ajudem a não ganhar o prêmio PATO.
Em Salvador lavei toda a roupa, mas já acumulou outra vez.
Olá Dorival e Catarina,
É sempre bom receber notícias sobre o cruzeiro dr vocês. Podemos revisitar os lugares por onde estivemos quando cumprimos percurso semelhante há alguns anos.
Enjôo é uma sensação muito ruim mesmo, mas pensando pelo lado otimista: nunca matou ninguém e com o passar do tempo a tendência é o organismo se acostumar.´
Sobre o pedido de palpites (sim, por que cada velejador tem sua própria e inamovível “verdade” sobre todas as questões do mar), o melhor que podemos aconselhar é que vocês frequentem assíduamente as sessões de vagabundagem explícita que se passam diáriamente, e em horários diversos, no PALHOÇÃO, aquele quiosque que fica aí perto do pier de desembarque do CABANGA. Ali travarão conhecimento com figuras imperdíveis e com toda sorte de teorias sobre qualquer tema náutico. Caberá a vocês então apenas a tarefa simples de decidir em qual das teorias acreditar (ou, com base na diversidade de conselhos, inventarem vocês uma nova e inédita teoria que será desde então incorporada ao folclore local como “a teoria do Luthier”) Bem vindos ao clube !!!
Um abraço,
Ivan e Egle.
Ivan e Egle,
Chegamos cedo ao Cabanga, mas acertamos na previsão do tempo. Depois da janela que pegamos, todos os outros veleiros estão chegando motorando 100% com vento contra.
A população está começando a aumentar, e logo deverá dar início o ciclo de conversas de palhoça de que você falou. Vamos aproveitar e aprender alguma coisa mais.
Conhecemos uns recifences, muito simpáticos, que estão nos levando em lugares pitorescos e interessantes. Nossos vizinhos de Natal também são ótimos.
Abraço
Dorival e Catarina
Oláááá pessoal, aqui é Gustavo Lucchesi, repórter da Folha de Pernambuco, que passou a tarde de hj com vocês, aperriando (com sotaque pernambucano) um pouquinho. Adorei os textos, inclusive repassei para alguns colegas de redação, que entraram e também adoraram os textos. Espero reencontrar vocês em Noronha. Boa sorte na primeira regata de vocês e Dorival, quero ver você mandando um Pink Floyd no violão, por favor
Abração deste que vos escreve e do “obstinado” Igo, fotógrafo.
Olá Gustavo, bem-vindo a bordo.
Você não precisava se apresentar, jamais esqueceremos seu destemor e segurança para embarcar no bote. Em Fernando de Noronha, para tomar aquela cerveja no Luthier, vai ser um pouco mais difícil, terá ondas e motor de popa (no remo é que não vai dar).
O Igor, então, obstinado, balançando no flutuante para achar o ângulo da foto, também é inesquecível.
Bom trabalho, deu para ver que vocês gostam do que fazem. Isso, mais a dedicação, torna as coisas bem mais fáceis.
Sucesso para vocês.
Abraço,
Dorival e Catarina
Parece-me a mim que o “acompanhamento” que estás a fazer ao veleiro que vem para a Europa além da ajuda , serve para interiorizar uma viagem similar, será…ou não será. O Pai Serafim ficaria orgulhoso.
Quanto ao enjoo, ouvi falar em adesivos que se colocam na omoplata e cujo efeito se prolonga por varios dias fazendo realmente efeito, tambem já ouvi dizer que esses adesivos provocam cancro da próstata!. Não percebo como é que se comercializa um medicamento cujos efeitos secundarios são tão graves!, será realidade ou um mito?.
Catarina, pisar um saco de lixo para apoio ao desembarque é mesmo um cartão de visita arrepiante para qualquer lugar no mundo. O que não seria de esperar em Maceió, sendo um lugar turistico por excelencia. Para mim o problema parte das autoridades, que se fossem as primeiras a incentivar a recolha do lixo e o seu tratamento poderiam, com esse exemplo, fomentar um maior cuidado por parte de todos. Em Portugal as regras form impostas pela U.E. que ao implementarem o conceito de “bandeira azul” nas praias obrigaram a um tratamento por parte das autoridades impensavel á vinte anos atrás. Agora todos os anos antes da época balnear, são recolhidas amostras da água e da areia para análise, as que se encontram dentro dos parametros de qualidade recebem o galardão de bandeira azul e as outras não, claro que as pessoas preferem as praias de bandeira azul, estas têm bares, algumas têm duches de água corrente e todas têm regras para cumprir, sendo continuamente patrulhadas pela policia maritima. Um exemplo que veio de cima e que obrigou a educar um pouco mais as pessoas.
Caro Conde,
Por certo que penso ir a Portugal, provavelmente em 2011, mas o acompanhamento que faço pelo rádio, SSB, é mais pela amizade, sendo costume típico de radioamadores. Além de ajudar, aprendo bastante com os desafios e decisões dos diferentes navegantes que acompanho.
Parece que sem remédios consigo lidar melhor com os enjoos. Vamos ver como vou passar na Regata até Fernando de Noronha. Os remédios que tomei, sem exceção, me deram dor de cabeça como efeito colateral. Do adesivo não tenho informação, não está disponível no Brasil.
Abraço
Dorival
Olá Conde,
Realmente, aquele lixo todo na praia da Federação de Vela de Maceió não impressiona bem.
Sem querer dar desculpas aos políticos, você tem razão no que diz, o fato é que, de barco, se chega pela porta dos fundos, em muitos lugares. Portos não são, via de regra, um primor de limpeza. Diferente de descer de um avião, entrar num veículo com ar-condicionado, e ir para um hotel climatizado, com bons chuveiros particulares.
Boa medida essa, adotada pela U.E. .
Acho mais simples o mar, com todas as dificuldades que ele impõe, que os problemas gerados pela falta de educação, pela política, e pela burocracia.
Abraço,
Catarina