Clique aqui para conhecer a história do veleiro Luthier e sua tripulação
Normalmente, não fazemos referência a nomes de pessoas e de barcos envolvidos nas nossas estórias. É uma forma de respeito à privacidade deles sem perder nossa liberdade para escrever porque, se a minha versão e a da Catarina muitas vezes não coincidem, é provável que nossas impressões não sejam as mesmas dos envolvidos nos relatos.
Excepcionalmente, e devido à natureza do ocorrido, conversei com a tripulação do Acauã, que me autorizou a citar o nome do barco, e deles próprios, neste relato.
Acauã é o trimarã da Paraíba que ajudamos a atracar no Cabanga, cuja tripulação me deu as dicas da regata para Noronha (REFENO) e que me alertou, quando estava a leste da linha, para acertar o rumo.
Conversei com o Savigny, comandante do Acauã, com o Joca e o Igor, tripulantes (Igor é o falador), querendo saber como tudo aconteceu. Eles pouco lembram do momento. Relataram que, a cerca de 20 milhas de Cabedelo, uma rajada de vento, mais duas ondas altas seguidas, simplesmente, e inevitavelmente, fizeram o Acauã capotar. Quem já sofreu um acidente de carro, ou mesmo uma queda da bicicleta, sabe bem como é difícil lembrar exatamente as circunstâncias do ocorrido. De fato, pouca diferença isso faz. O que vem depois é o que realmente importa.
O Savigny fez um corte no nariz, o Joca e o Igor não se feriram. O Savigny conseguiu recuperar um localizador pessoal, que funciona como um EPIRB: ele transmite a posição obtida por um GPS interno e, se comandado, manda uma mensagem de “tudo bem”, “emergência”, ou pedido de “resgate”, conforme o botão acionado. Um sinal de resgate (911) foi transmitido. O Igor mergulhou algumas vezes e recuperou um rádio portátil, 12 litros de água e alguma comida, além da caixa de primeiros socorros, e os fogos.
Uma das lonas que ficava entre a cabine central e uma das bananas do trimarã foi rasgada para livrar o bote, que já estava com seu fundo rasgado, e os estais foram cortados para que o mastro se soltasse do barco porque, estando debaixo da água, poderia perfurar o casco, complicando as coisas.
O Acauã emborcado permaneceu flutuando, abrigando sobre o casco central os dois tripulantes e o seu comandante. Um sinal de socorro foi transmitido pelo rádio para Cabedelo Rádio, uma estação de comunicações móveis marítimas, operada pela Embratel.
Contando com a posição atualizada pelo localizador pessoal, os navios da Marinha iniciaram a navegação para resgatar nossos amigos. O mar estava ruim, os navios não podiam se deslocar a mais de 12 nós.
Antes de anoitecer um helicóptero passou sobre o Acauã, e um navio passou ao seu lado. Foram lançados os fogos, mas ninguém os avistou.
Anoiteceu, e as coisas começaram a ficar mais difíceis.
Como a Marinha tinha a posição deles, os navios se aproximaram o suficiente para que a tripulação do Acauã avistasse os navios, mas os navios não podiam localizá-los porque estavam no nível do mar, e as ondas encobriam as únicas luzes de que dispunham.
Segundo a Marinha, depois que Navio Patrulha Guaíba seguiu erradamente uma luz que era de um pesqueiro, o capitão do Rebocador de Alto Mar Triunfo decidiu apagar completamente os navios e mandou acender um facho direcional, piscando. Esse facho foi sendo rodado até que a tripulação do Acauã os visse. Dessa forma, o Triunfo pôde determinar a rota a seguir, tudo isso coordenado pela comunicação via rádio VHF. A importância fundamental disso deve-se ao fato de que o navio precisa de meia milha para parar, e tem que fazer isso próximo o suficiente para mandar um bote de regate e, é claro, somente depois de avistá-los. Assim foi até que foram localizados e resgatados. O Acauã não resistiu ao reboque e se desintegrou.
O sucesso do resgate deveu-se à habilidade e dedicação da tripulação dos navios da Marinha, e ao conhecimento e experiência de mar da tripulação do Acauã. Somado a isso, estavam muito bem equipados com roupa de tempo e equipamentos de salvatagem.
Já em Cabedelo, todos bem, conversei com os tripulantes. Savigny ainda se atrapalha um pouco ao falar do Acauã, se referindo ao barco como se ele ainda existisse. Igor não consegue falar do Acauã sem encher os olhos de lágrimas. Savigny nos disse que, no Acauã, foi colocado muito mais amor que dinheiro, principalmente pelo Igor.
Amigos do Acauã:
- um barco serve para passear, participar de regatas e até morar a bordo, mas também serve para nos abrigar. O Acauã levou vocês para passear, com ele foram bicampeões da REFENO (2008 e 2009) e, finalmente, os abrigou após um acidente. Ele soube retribuir todo o carinho que recebeu, resistiu forte, mais de 10 horas, até que vocês fossem resgatados, e se foi.
Tenho certeza que haverá outro multicasco para brincar no verão, e correr regatas. Ele também será tratado com carinho, e as lembranças do Acauã serão guardadas no coração, para sempre.
Nós estamos muito contentes por vê-los bem, e agradecemos à Marinha do Brasil e aos seus bravos marinheiros por salvaguardar a vida nessa nossa imensa Costa, e no Atlântico Sul.
Dorival
Puxa pai é uma história muito bonita…
Olá João,
Bem-vindo a bordo do Luthier.
Realmente, a história dessa tripulação é fantástica e eles são amigos de verdade.
Abraço
Dorival
È curiosa essa relação que existe entre o marinheiro e a sua embarcação. Ainda bem que acabou com todos salvos.
Caro Conde,
Realmente, a relação entre marinheiros e os barcos é muito forte. A tripulação do Acauã vive no mar desde 10 anos de idade, todos passaram pelo optimist e laser. Hoje, só para brincar, correm de Hobby Cat. Eles estavam muito bem preparados.
Abraço,
Dorival
Conde,
Sorte deles que o barco permaneceu abrigando-os, mesmo avariado. O oficial da Marinha que os resgatou nos disse que, em 99% dos casos de homens ao mar, não há chances de sobrevivência até o resgate, principalmente pela hipotermia, ou pelo ataque de peixes grandes, não só tubarão; à noite, esse número sobe para 100%. Saber o que fazer nessas horas, é garantia de vida. E eles souberam.
Abraço,
Catarina
Fantástico. É importante sabermos que coisas deste tipo podem ocorrer, com isto estarmos “preparados” para enfrentar tais situações. Uma lição para nós todos velejadores.
PS: Meu sonho ainda é participar da Refeno com meu Delta 32. Será que este dia chegará?
Julio Auler
Felizmente, todos bem. Felizmente, também, a nossa Marinha, mais uma vez, mostra seu valor, mostrando sua capacidade de resgate.
Sobre a capotagem de um multicasco, há muitos detratores desses maravilhosos veleiros, que, bitolados pelos monocascos, nunca deixam de lembrar que “multicasco capota”. Sempre esquecem de lembrar o que o ACAUÃ mostrou com destaque: Ao capotar , o multicasco que, em 100% das vezes, é INAFUNDÁVEL, se tornará uma “ilha de sobrevivência”, aumentando sobremaneira as chances de sobrevivência e localização dos náufragos. Por não ter lastro como os monocascos, e devido aos seus materiais de construção, o multicasco não afunda jamais, diferentemente dos monocascos lastreados, que, se inundarem, vão ao fundo.
É bom de ver que um barco que foi construído com tanto empenho e carinho retribuíu tudo isso, cuidando de seus ocupantes quando não mais podia navegar!
Saúde a todos!
Caro Júlio, bem-vindo a bordo.
A gente sempre aprende alguma coisa. Quanto à participar da refeno, sugiro que você marque a data, com determinação; o mais difícil você já tem: o barco. Além da adrenalina, vale a festa e o contato com gente de todos os cantos do país.
Abraço
Dorival
Caro Leandro, bem-vindo a bordo.
Todos os tipos de barcos tem suas vantagens e desvantagens. Gostaria de adicionar ao seu comentário que, o Acauã, e sua tripulação, são bi-campões da refeno, 2008 e 2009, não é para qualquer um, nem para qualquer barco.
Abraço
Dorival
Me ocorre que neste caso teria sido útil algúm tipo de refletor de radar. Será que algo como um balão metalizado funcionaria para localizar náufragos nesta condição durante a noite ?
Frank