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Versão da Catarina
Como diz a música, “eu fui no Tororó beber água e não achei”, achei uma pequena praia, com águas calmas, transparentes, com peixinhos, num local de vegetação bem preservada, no Canal de Itaparica. Para achar a água, que brota da pedra, só na época das chuvas, assim me explicaram os baianos. Nenhum problema, o local vale a pena em qualquer época, mesmo na “seca”.
Toda essa região da Ilha de Itaparica tem nascentes de água mineral, uma riqueza. É curiosa a inscrição na fonte da cidade de Itaparica: "água fina, que faz velha virar menina"; não sei se é por conta dessa promessa, ou porque a água é grátis, mas lá está sempre cheio de gente.
Saindo da cidade de Itaparica, velejamos por cerca de duas horas canal adentro, para ancorar nas proximidades da Ilha do Cal, um lugar paradisíaco, mas com cachorros na recepção, por ser uma propriedade particular; como esse, tantos outros assim, no Canal de Itaparica.
Venta de montão nesse canal, a partir de umas nove e meia da manhã, e só vai parar à noite.
No dia seguinte à nossa chegada, logo pela manhã, ouvimos um estrondo, por debaixo d’água, seguido de uns barulhinhos de estilhaços, como se o barco estivesse sendo frito. Diagnóstico: bombas utilizadas na pesca. Essas bombas são muito combatidas na Bahia de Todos os Santos, pela Polícia Florestal, mas a fiscalização não consegue cobrir tudo.
Partimos em direção a Catu, que fica depois da ponte que faz a ligação entre o continente e a Ilha. Grandes emoções na passagem por debaixo da ponte. Será que vai dar? Dá, com folga, mas assusta.
Catu é um pequeno povoado, com a maioria das ruas de terra, uma igreja católica, uma escola, e uma mercearia, e tudo fecha no horário de almoço. Desta vez, havia três veleiros ancorados, mas desabitados. Algumas coisas eu não gosto de ver nesses povoados, apesar da tranquilidade: passarinhos presos em gaiolas, e queimadas, que são hábitos culturais do brasileiro, não só na Bahia. O costume é tocar fogo em folhas e galhos secos. Por que não usam essas folhagens para produzir adubo? Uma composteira é tão simples de se fazer… Para isso, há que investir em educação, aquele tipo de “gasto” que não traz retorno em votos, então, não interessa.
De Catu, seguimos de bote até Cacha-Prego, na ponta da Ilha. Realmente, um dos lugares mais bonitos que já vi! Água limpa, praia extensa, pessoas tranquilas, e a visão do mar aberto à frente.
Na cidade, vimos uma roda de pessoas negociando peixe. Os peixes que tenho visto na Bahia são miúdos, e há pouca variedade, talvez por conta da plataforma continental estreita. Não gostei de ver filhotes de atum sendo vendidos; outro dia, vi venderem filhotes de tubarão, em Itaparica. Nada disso era para acontecer. Não comprei nada, para boicotar. Eles, os pescadores, sabem que estão errados, mas dão aquelas desculpas “eu tenho que alimentar minha família”; no futuro, a família crescida pode não ter com que se alimentar, vindo do mar.
Voltamos de Catu passando por Tororó, nossa ancoragem para pernoite, e para se refrescar na água do mar.
Hoje reclamei demais, estou parecendo uma “eco-chata”.
Vou falar de coisa boa. Fiquei muito satisfeita com o atendimento no Posto de Saúde de Itaparica, para tomar vacina. Simplesmente, fui muito bem atendida, e na hora em que chegamos, sem fila; isso é praticamente impossível em São Paulo, afora o fato de que, lá, eles nunca têm a vacina para aplicar. O que eu não contava era com o vexame, que eu mesma dei. É que eu não gosto de injeção, sangue, e afins. Quando senti a picada da vacina contra tétano, comecei a suar frio, minha vista escureceu, e eu pedi para sentar. A enfermeira veio e mediu minha pressão: 7 por 5, e disse que eu deveria estar assustada. Quer dizer, com paúra, mesmo! Então, fui para a próxima vacina, contra hepatite. Olhei para a cara do Dorival, que me falou: “não chora, não!” Nossa, nessa hora me lembrei de nossos amigos do Acauã, enfrentando uma situação tão mais difícil no mar, e fiquei firme, não desmaiei! Bom, já tenho um apelido, por conta dessa….
Já voltamos para Salvador, para nos prepararmos para a viagem até Camamu.
Aqui está um super agito, por conta do “Rally de Soleil”, e de outros barcos franceses, que também chegaram. Os brasileiros são franca minoria.
Os franceses atravessam o Atlântico Norte, mas evitam subir a costa do Brasil no inverno. Preferem deixar o barco parado numa marina no NE, e viajar de avião ao Rio de Janeiro, indo até Foz do Iguaçu, e outras localidades. Quanto exagero, bem pior é a vacina contra tétano!
Aqui na cidade, muitos preparativos para todas as festas que virão, inclusive, para o Carnaval.
Tem uma música muito tocada hoje na Bahia, e o cantor é o Juaperi. A letra, no refrão, é assim:
“Não tem sapato que lhe calce
ela só gosta de sandália de couro
Não tem sapato que lhe calce
ela só gosta de sandália de couro
De sandália de couro
de sandália de couro
De Tênis, não vai
De Scarpan, não sai
Descalça, machuca o pé
O salto, lhe trai
Tamanco, ela cai
Sapato, lhe dá chulé”
Legal, né? A Bahia é muito musical.
Para terminar, desejo a você paz no Natal! E que em 2010, você possa ficar perto do MAR, qualquer MAR! Até lá!
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Versão do Dorival
A exploração do Canal de Itaparica iniciou-se com uma velejada até a Ilha do Cal. O Canal é uma faixa estreita de água entre a Ilha e o continente. A navegação é fácil, mas demanda planejamento e atenção porque existem muitos bancos de areia e lugares bastante rasos.
A ancoragem na Ilha do Cal é abrigada e tranquila, mas o fundo é de areia. É preciso usar mais corrente que o normal, e contar com pequenas escapadas (garradas) quando o barco gira com a correnteza. De lá, seguimos a motor até Catu e Cacha-Prego. É necessário passar por baixo de uma linha de transmissão de energia elétrica, e por uma ponte que liga o continente à Ilha de Itaparica. A ponte tem altura de 18 metros na maré cheia, a linha de transmissão é bem mais alta, embora não pareça. O mastro do Luthier tem 13,8 metros de altura e está posicionado sobre o convés 1,2 metros, acima do nível do mar. Somando mais um metro da antena de VHF, o total chega a 16 metros. Passa fácil, mas a sensação é de que vai bater. Não pude ver, porque estava no comando, e o bimine obstruía minha visão, mas a Catarina ficou gritando: “VAI BATER”, depois disse “passou”, bem baixinho.
Catu pertence ao município de Vera Cruz e é uma comunidade bem resolvida. Não tem conflitos de terra, as pessoas são tranquilas, cordatas e educadas. As casas, a maioria com as portas e janelas abertas, são ocupadas por pessoas de mais idade. Como muitos lugares no Brasil, lá também os mais jovens se mudam para trabalhar em cidades maiores. Havia uma expectativa do retorno dessas pessoas para ver a família durante as Festas. Em Catu, assim como em São Francisco do Paraguaçu, e até mesmo em Salvador, se vê o povo reformando ou, pelo menos, pintando as casas para o fim de ano. Em Catu, vi dois adultos e três crianças, ao mesmo tempo, lixando um portão, com bastante cuidado, para receber a pintura nova. As cores usadas aqui são puras, ou seja: amarelo, vermelho, azul, mas sem qualquer modificação; não usam: azul claro ou escuro, é azul puro, mesmo. O uso dessas cores, pintadas em faixas, fica muito interessante em alguns barcos de pesca, e até em algumas casas, mas para o padrão do SE, é um pouco estranho. Mas eles gostam, e fazem com capricho, é o que vale.
Fomos a Cacha-Prego de bote. O lugar também é muito bonito e interessante, mas difere de Catu por ter hotéis, pousadas e casas de veraneio, algumas muito ricas, bem posicionadas junto à orla, sem, com isso, destruir a paisagem típica da região, cheia de coqueiros. Em Cacha-Prego, pela primeira vez vi, em frente à Cooperativa de pescadores, uma pequena praça com mesas de concreto e espaços pavimentados, onde os pescadores, juntos, separavam e vendiam os diferentes tipos de peixes, que conseguiram naquele dia. Interessante foi ver em uso uma daquelas balanças antigas, de dois pratos, onde se coloca o produto em um deles, e pesos calibrados no outro, até que o equilíbrio apontado por uma agulha no centro seja alcançado.
De Catu, voltamos pelo canal até Tororó. Nada de água, só alguns pingos. Dizem os baianos que no inverno tem bastante água, parece até uma cachoeira. Dormimos ali, e no outro dia fomos para Salvador.
Estamos no Tenab outra vez. Tenho que trocar o óleo e o filtro de diesel do Motor. Fui até a Calçada, um bairro onde tem todo tipo de loja, desde roupas, mangueiras, peças para carro, ferramentas, etc.. Não tinha o material que eu precisava, mas um comerciante me indicou uma outra loja, que fica na estrada, uma BR. Pedi a ele para ligar, e confirmar se tinha o filtro. A resposta foi positiva. Uma hora depois, de ônibus, cheguei à loja. O vendedor (não é baiano), me disse: “temos a peça sim, mas por encomenda, chega de São Paulo em uma semana”. Um outro que viu a cena e a minha cara de desapontamento, deu um jeito de me dizer onde eu poderia encontrar o material. Fui até lá e “pronto”, muito bem atendido, mas bem devagarzinho, por um baiano, consegui o que eu queria.
Em Itaparica, instalei as cartas eletrônicas brasileiras no “notebook” de um casal de um veleiro turco, muito simpáticos. Novamente, os encontramos aqui, no Tenab. Eles queriam dicas de ancoragens na Baia de Ilha Grande e de marinas no Rio de Janeiro. No Luthier, viram que eu tenho um GPS “bluetooth”, que tem um pequeno painel solar, igual ao que ganharam de presente de um amigo, e que nunca funcionara. Eu coloquei o GPS deles para operar. Em retribuição, eles nos deram um amuleto da sorte, que é um olho azul com um pequeno adorno em macramé. Vi muitos, no barco deles. Eles sabiam que era aniversário do Luthier (19 de dezembro). Gostei muito do mimo, foi legal o Luthier ganhar um presente de terceiros.
Este ano foi especial para mim, conheci muitos lugares interessantes, fiz muitos amigos, aprendi um pouco mais de meteorologia, navegação, e regulagem de vela. Percebi que ainda tenho muito a aprender, e muitos lugares para conhecer e rever. Foi o melhor ano da minha vida, principalmente por viver 24 horas ao lado da Catarina.
Desejo que 2010 seja o melhor ano da vida de todos vocês, que tem a paciência de ler e acompanhar nosso cruzeiro pelo nordeste, com muita paz e saúde para realizar seus sonhos. Feliz Natal!
Vou preparar o Luthier para seguir viagem para Camamu, e meu coração para deixar Salvador da Bahia, seus mistérios, cheiros e sabores.
Catarina, Eu tambem não gosto de vacinas. Tenho a vacina do tétano completamente fora de prazo, até já recebi um aviso do centro de saude.
Dorival, a descrição da passagem “razante” sob a ponte foi muito engraçada, aqui perto existe a ponte sobre o rio Tejo, em Vila Franca de Xira e o efeito é o mesmo.
Um bom ano de 2010 para vocês e para a vossa familia.
Conde, o pior é que ainda têm mais duas doses da vacina para tomar, justamente para aqueles que não a tomam há mais de dez anos. Por isso, é bom você se apressar. Além disso, é importante para quem está sujeito a se ferir na construção do barco. Catarina.
Caro Conde, legal que você tenha gostado da descrição, mas a cena, na hora, foi muito mais engraçada. Fiquei com vontade de conhecer a ponte que você citou. Dorival.
Agradecemos os votos para 2010 e desejamos o mesmo para você e família. Dorival e Catarina.
Catarina, aonde já vão os dez anos!…
Dorival, A ponte de Vila Franca não é nada de especial, já a entrada da barra em Lisboa, com a ponde 25 de Abril (igual á de S.Franscisco) e a ponte Vasco da Gama ( impossivel de construir á 20 anos atrás) são de tirar o folego. Se quisseres vai á net e procura….veleiro Bravo…..não sei o link e saberás pelas palavras de uma familia de Brasileiros , como foi a visita por aqui, por estes lados.
Olá Catarina e Dorival,
Legal a visita de vocês ao Canal de Itaparica. Vocês vão gostar bastante de ir a Camamú e explorar aquela bela baía. Se precisarem de informações, nos passem um e-mail.
Quanto à pesca com bombas no Canal de Itaparica, é realmente um absurdo que se repete em muitos outros lugares da Baía de Todos os Santos. Só não acho que as autoridades estejam efetivamente buscando coibir essa prática criminosa. Se repararam, existe na marina de Itaparica uma lancha pertencente exclusivamente ao “serviço de combate à pesca com bombas”. Já estivemos em diversas ocasiões, e por vários dias no Canal de Itaparica, presenciamos o uso de explosivos diáriamente nos mesmos locais e nas mesmas horas, vimos claramente as canoas que saiam para pescar e voltavam logo após as explosões, e nunca vimos nenhuma ação das autoridades. É um mal recorrente no Brasil: os funcionários públicos imaginam que o emprego é uma sinecura deles e que não devem explicações para a sociedade, que paga seus salários (exemplo vindo de Brasília ?).
Boa velejada para Camamu e um 2010 ainda melhor que 2009 para o Luthier e sua tripulação.
Ivan e Egle (Taai-Fung II)
Caros Ivan e Egle,
Estejam ou não as autoridades cumprindo seu papel, o que temos certeza é que a natureza vai cobrar muito caro por isso.
Retribuimos os votos de um feliz 2010 a vocês, e logo mandaremos notícias de Camamu.
Abraço
Dorival e Catarina
Olá,
O cantor da Música sandália de couro (muito tocada na Bahia) é Jauperi. Só pra corrigir.
Abraço.
Muito bacana o blog
Olá Aslei, bem-vindo a bordo do Luthier.
Valeu pela correção!
Abraço
Catarina