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Versão da Catarina
Se há algo que apaixona na Bahia, além da culinária única, de tempero caprichado, de quem não tem pressa em fazer bem feito, é o jeito solícito do povo, além do gosto por uma conversa desinteressada. “Caravelas” é um Município baiano, certo? Em termos: é fisicamente, mas não tem o mesmo apelo culinário da Bahia (ou não fui apresentada a ele), e o povo parece se esconder atrás de um morro de Minas Gerais, ou de uma serra capixaba: poucas palavras, olhar desconfiado, ou demasiadamente ousado.
Tivemos que pegar um táxi para ir até uma cidade próxima, de nome “Alcobaça”, atrás de bateria para o barco. O taxista que nos levou, um jovem, mal respondia às perguntas, como quem não queria conversa, e logo ligou o som, um “rap”, ao melhor estilo carioca. No caminho, extensos campos de criação de gado, e a pouca vegetação restante sapecada pelo fogo das queimadas.
No pequeno comércio de Caravelas, município com cerca de 20.0000 habitantes, dois marmanjos quiseram passar na minha frente em filas, uma vez no açougue, e outra na padaria, o que já é uma amostra significativa, se considerado o tamanho da cidade, ou azar de encontrar apenas os mal criados do lugar. Claro que não deixei furarem a fila: sou caipira, mas não sou besta! Num restaurante local, relativamente simples, fomos incomodados por olhares inconvenientes na mesa ao lado; me arrependi de não ter levantado e ido embora antes, para não correr um risco desnecessário, em terras alheias.
É um bom lugar para se esconder do mau tempo, mas por pouco tempo, porque a água lodosa do rio cria muitas cracas no barco, e não há nenhum outro atrativo na cidade, que não tem praias, e não vi sorveterias, que pecado! Vivem do turismo para Abrolhos, e para as cidades vizinhas.
Para nosso azar, a cidade foi invadida, naqueles dias em que estivemos lá, por uma grande nuvem de pernilongos, de pernas rajadas de branco, do tipo “aedes”; uma dupla amolação, pelas picadas, e pelo risco de contrair a dengue, epidemia no sul da Bahia. A explicação para isso pode estar bem ali ao lado: grandes áreas desmatadas para pastagem.
Saímos de Caravelas com a intenção de ir direto para Ilha Grande. Pegamos vento de popa grande parte do tempo, o que fez com que montássemos o pau de spinnaker. No trajeto, muitos pássaros apareciam boiando sobre montes de algas, enquanto esperavam para fisgar um peixe; ali há muitos recifes de corais, que favorecem essa vegetação. À noite, o vento rondou para través, e precisaríamos tirar o pau, mas não quis que o Dorival fosse até a proa fazer isso, e ficamos só com a mestra aberta, o que prejudicou o desempenho do barco. Ele argumentou que iria com uma lanterna, e eu também ficaria com uma para monitorá-lo, mas não quis conversa a esse respeito, pois não havia nenhuma emergência para que ele fosse até lá.
Dei-me conta de que tínhamos saído da Bahia quando as rádios que ouvia passaram a tocar outro tipo de música. Bateu saudades daquelas bobagens todas ditas nas letras sensuais das músicas baianas, ao mesmo tempo, inocentes, quase puras. Guardo comigo de lá um colar de contas que ganhei, e uma foto da Irmã Dulce, mulher de muitas obras na cidade de Salvador, que inspira bons sentimentos e pensamentos.
O pouco vento de popa que tínhamos no trajeto aos poucos foi miando, e fez com que decidíssemos parar em Vitória, para esperar uma condição de vento mais favorável.
O Iate Clube de Vitória tem boas instalações, de banheiros e piscina, mas poucas vagas em cais. Está bem localizado, num bairro com bons supermercados e lojas, e continua com o maravilhoso preço de R$5,50 por pessoa, por dia. Lá pude, finalmente, dar um corte no cabelo, que já estava dando susto em criancinhas na rua, após meses de doses concentradas de sal e sol.
O grande inconveniente de Vitória é aquele pó do minério de ferro processado no Porto de Tubarões, que deixa a paisagem e o barco pretos, quando sopra o nordeste, pondo em risco os equipamentos eletrônicos, a pintura do barco, e a nossa saúde. Eu não entendo como o Estado de Espírito Santo ainda não impôs regras ambientais para que a empresa de mineração instale dutos fechados no processamento do minério, ou filtros que impeçam a sujeira de se espalhar pelo ar.
Saímos de lá em direção ao nosso destino final, com uma certa pressa, pois tinha uma frente fria no nosso calcanhar. A viagem rente à Costa teve o inconveniente de cruzarmos com vários pesqueiros, navios e bóias não sinalizadas, tudo em meio à neblina. Cruzamos ainda com dois grandes troncos de árvores, na altura de Macaé; detalhe: só vimos quando ele estava ao nosso lado, por boreste, e por essa concluímos que, para navegar, tem que ter sorte! Á noite, avistamos grandes clarões de raios em terra, na região de Búzios; naquele dia, esse não seria um bom ponto de parada. Achei muito legal uma voz feminina no comando de um grande rebocador, que nos cedeu passagem, não por feminismo de minha parte, mas por ver que é uma profissão viável para mulheres, e que elas mandam bem.
Mais uma vez, pouquíssimo vento. Cadê o nordeste desse ano?
Quando estávamos no través do Rio de Janeiro, o vento começou a ficar na cara, totalmente contra, e as ondas a virem de sul. Os pelos do meu braço começaram a arrepiar. Epa! Hora de ver o barômetro: baixou 4 milibares! Somando-se a esse fato, o serviço de rádio informou mar grosso para a área bravo, oceânica. O Dorival me propôs parar no Rio, para se abrigar, pois a frente poderia estar chegando antes do previsto, era o que estávamos vendo!
Entramos no Rio de Janeiro, sob um bafo do calor de 35º C, e nos abrigamos em Niterói, no Clube Charitas. Uma hora depois da atracação, ventos de 43 nós e muitos raios: uma briga de gigantes da natureza, que precedeu a entrada da frente fria. A temperatura caiu para 25 graus, em poucas horas, 10º a menos.
Tivemos algum tempo para descansar e nos preparar para nossa viagem de alguns dias depois, rumo ao nosso destino final, em Bracuhy. Essa viagem foi dez: linda paisagem, vento pouco, mas suficiente para nos divertimos com a Genaker.
Aqui se encerra nosso cruzeiro ao nordeste do país. Contamos, nesses meses, com a companhia de vosmecê, que muito nos honrou, de nossos conselheiros de jornada, da minha mainha e do meu painho, acompanhando cada passo nosso, à distância.
Estamos realizados, pois foram muitos anos de trabalho para que tudo isso pudesse acontecer, e de muito planejamento. Aprendi tanta coisa, em tão pouco tempo, e fico feliz, grata mesmo à vida, por ter tido esta oportunidade, ao lado do Dorival.
Vamos iniciar a nossa etapa de terra, de manutenção do barco, e de nós próprios, com visitas a médicos e realização de exames de rotina, enfim, verificação das máquinas todas, além de definição do nosso futuro. Já começamos a matar as saudades dos amigos e, logo mais, vamos rever os familiares. Qualquer novidade, aparecemos, ou nossos amigos põem a boca no trombone, sobre nosso passos.
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Versão do Dorival
Pois é, saímos de Caravelas tendo como destino a Enseada do Abraão, em Ilha Grande / RJ. Mas o tempo não quis assim, paramos em Vitória e no Rio de Janeiro. Motoramos bastante. Também velejamos e, depois de muito levanta vela, baixa vela, liga motor, desliga motor, acabamos por vir direto para a Marina Porto Bracuhy, encerrando essa viagem ao nordeste.
Durante a viagem, encontramos muitos viajantes, a maioria estrangeiros, fizemos amizades, e aprendemos muita coisa sobre vela, navegação, natureza e relacionamento humano.
O bom da vida é que sempre há o que aprender, estimulando novos desafios para uma nova etapa.
Durante esse cruzeiro, houve muitas perguntas nos comentários blog, ou pessoalmente. Alguns querem saber dos custos. Não é fácil responder, porque depende muito do estilo de vida de cada um. Um barco, morando a bordo, tem os mesmos ítens de custeio de uma casa e de um carro (diesel) juntos. A manutenção, limpeza, troca de óleo, comida, lavar roupas, são algumas das tarefas corriqueiras a bordo. É possível contratar esses serviços, assim como se pode ficar atracado em uma marina ou ancorado, adicionando outros itens como água e energia no conjunto de preocupações.
Nossas passagens no mar foram bem planejadas. Procurei sempre ouvir as opiniões e recomendações de outros cruzeiristas, mais experientes. Não tivemos problemas. Fora isso, e na maior parte do tempo, estivemos em águas abrigadas.
Acima de Salvador, Fernando de Noronha é uma exceção, ficamos em marinas. Em Salvador ficamos parte do tempo no Tenab, e outra parte ancorados em diversos locais da Baia de Todos os Santos. De Salvador até Caravelas ficamos na âncora, deu até para criar craca na corrente em Santo André.
Normalmente cozinhamos a bordo, exceto onde se encontra opção barata de bom restaurante. Quando chegávamos de viagem, procurávamos algo mais sofisticado (caro) para fazer uma refeição diferente. Sempre que havia água disponível, lavei a roupa a bordo. Esse é um dos serviços mais caros para se contratar. Não tivemos problemas de manutenção que eu mesmo não pudesse resolver e, por isso, não sei avaliar os custos desses serviços profissionais.
Esse ano viajando com o Luthier pagou com lucro todo o esforço físico, mental e o tempo que levou para construí-lo.
Um amigo daqui disse que fizemos duas viagens no mesmo barco, por conta das diferenças nos relatos meu e da Catarina, também disse que o dela é mais interessante. Eu também acho.
Esse meu texto está parecendo fim de festa. Não, a idéia não é essa. O Luhier e sua tripulação são inquietos, logo vamos querer navegar, fuçar e conhecer coisas novas.
Deixaremos o Luthier sozinho por umas duas semanas, temos que ir ao interior de São Paulo resolver pequenos problemas, visitar familiares e médicos para uma avaliação de rotina. Depois disso, vamos prepará-lo e iniciar uma nova viagem.
Visitem sempre a página http://www.veleiro.net/blog para saber, dentre outras coisas, para onde vamos com o Luthier, e como acompanhar nosso próximo cruzeiro.
Tambem existe por ai uma cidade com o nome Alcobaça?
Gostei bastante de acompanhar esta vossa aventura, a escrita a duas mãos foi muito interessante e original. Apreciei a honestidade com que contaram a história de cada etapa e o facto de não terem experiencia colocou a vossa aventura ao nivel daquilo que um dia poderá a vir a ser a minha própria aventura, ou seja, revi-me a mim mesmo nestas etapas.
Se decidirem que o vosso próximo destino seja aqui, para estes lados, visitar a terra do avô Serafim digam alguma coisa. Se for para algum outro lado e se decidirem relatar os factos, aqui estarei como leitor assiduo.
Obrigado e parabens
parabéns ao casal pela empreitada e por entreter os que em terra ficaram.
amyres
Caros Amyres e Conde.
Obrigado por acompanharem nossos relatos de viagem.
Por ora, estamos nos restabelecendo de uma perda e preparando o barco para uma nova viagem, com destino ainda não definido.
Partiremos em meados de Junho, navegando rumo ao Norte.
Abraço e continuem nos acompanhando, pois é um prazer tê-los a bordo do Luthier.
Abraço
Dorival e Catarina