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Versão da Catarina
Enfrentar duas barras em um mesmo dia é “barra”. A nossa viagem para Itacaré foi assim: saímos da Baia de Camamu na manhã do dia 2 de fevereiro, batendo em ondas vindas pela proa, desencontradas e curtas, chegamos no mesmo dia em Itacaré, entrando por uma passagem relativamente estreita, com uma ponta de areia e arrebentações de mar aberto, de um lado, e pedras, do outro. Então, não foi exatamente um dia de navegação “fácil”.
Na entrada de Itacaré, algumas emoções: mesmo com a maré enchendo, as profundidades chegaram a 1,70 metros, contrariando os dados que tínhamos, que indicavam números maiores. Depois, viemos a saber, pelos pescadores da região, que o banco de areia da entrada da barra mudou de posição, e há um outro novo perigo ali: um naufrágio.
Chegamos em Itacaré no dia de Yemanjá, que na Bahia é coisa séria, comemorada com procissão na orla, com cantos e percussão, muitos balaios com flores, baianas com vestidos rodados e turbantes brancos, e embarcações enfeitadas por folhas de palmeiras, para levar as oferendas. Bonito de se ver a devoção daqueles que vivem no mar, por aquela que os protege.
A paisagem de Itacaré é diferente do norte da Bahia, com morros mais altos, de vegetação exuberante, e árvores frondosas. Não se vêem grandes hotéis na orla, só pequenas pousadas, e áreas para camping. A temperatura estava bem mais amena, amanhecíamos com 24ºC e, durante o dia, não passava dos 31ºC.
O acesso à terra, para quem chega de barco, é pela praia urbana, que “seca” muitos metros na maré baixa, então, íamos de bote, mas sem o motor, porque teríamos que carregá-lo, ou na ida, ou na volta, o que não é mole, não. O inconveniente disso é que, grande parte do trajeto até a praia é de lama, em que o pé afunda ou escorrega, e não dá para usar chinelo, que sai do lugar. Corre-se o risco de pisar em algum caco de vidro, ou peça de metal, fincados no leito do rio. Não é paranóia, não: eu vi um fundo de garrafa de vidro quebrada, daquelas de tirar um naco, e até me lembrei da segunda dose da vacina contra tétano, aquela ardida.
Trazer compras pesadas de terra, ou água mineral, nessas condições, não é fácil.
Nos dias em que passamos lá, pegamos chuvarada com raios, quase da largura de um dedo, vistos de longe, e rajadas de vento de 35 nós, sempre nos finais de tarde, e início da noite. Numa dessas ocasiões, garramos cerca de 50 metros; ainda bem que fomos parar em um local do canal com profundidade equivalente. Tempestades de verão, vindas de mar aberto.
O que facilita que a âncora se solte, além do vento, nessas situações, é a atuação de umas plantas aquáticas, que descem o Rio de Contas, juntando-se em grupos, estacionando na corrente. Justamente num dia desses, com chuva, rajadas e raios, o Dorival teve que ir até à proa, com um facão, para cortar as chamadas “baronesas”. Um pescador nos contou que já teve que buscar seu barco vários metros rio adentro, por conta delas. Essa condição, de tempo e de vegetação locais, fez com que nós desistíssemos de percorrer as trilhas, pelas matas da região, e conhecer as praias mais distantes, ou as cachoeiras: o barco bem poderia não estar lá, na nossa volta.
E foi também no meio da tarde de um dia desses, com chuva e vento forte, que escutamos gritos lá fora, até que vimos o inacreditável: um veleiro batendo na arrebentação da praia, com a genoa aberta, panejando, o mastro tocando a água, e muitos barcos de pescadores ao largo, indo ao seu socorro. Vimos também muitos homens nadando em direção ao veleiro, e à sua volta. Não havia mais nada a fazer, a não ser ver o resultado. Essa situação durou cerca de meia hora, não mais. E não é que os pescadores conseguiram? Rebocaram o veleiro para um local abrigado, e ainda levaram os tripulantes para terra.
Esse pessoal é 10! Arriscaram os próprios barcos na arrebentação, para salvar uma outra, e acolher seus tripulantes. Os anjos da guarda desses malucos merecem mesmo todas as homenagens, pela trabalheira que eles dão.
No fundo, ficamos com a sensação de que esse socorro prestado pelos pescadores já teria acontecido outras vezes, pois a ação foi muito bem coordenada, para uma primeira vez. Começamos a achar que era hora de partir, mesmo porque, estavam montando um grande palco na praia, para o Carnaval, que se aproximava, e nós estávamos querendo sossego, naqueles dias. Afinal, já sabíamos de cor a letra do “Rebolation”, sucesso desse Carnaval.
Adeus, sorvete maravilhoso de amendoim da orla, e obrigada pela acolhida, bravo povo de Itacaré!
Saímos com destino a Santo André, no dia 08 de fevereiro, pela manhã, com previsão de vento favorável, mas pouco, que se confirmou: tivemos que motorar até às 15 horas, e o calor me causou aquela dor de cabeça. Depois, pegamos um bom vento leste, e velejamos até nosso destino, tendo que segurar para chegar na maré enchente, e ao amanhecer.
Na aproximação de Santo André, pelo norte, se avista, de longe, uma igreja branca que, na verdade, está situada no Município de Sta. Cruz Cabrália. De longe, também se vê uma forte luz piscando, que o Dorival temia ser uma rede de pescador sinalizada, e me avisou na troca de turno. Eu perguntei, incrédula, se ele achava mesmo que o pescador iria por aquele “lampão”, para avisar sobre a rede. Mais perto, pudemos ver que a "lâmpada” em questão está no alto de uma torre de televisão, em Cabrália, e até hoje eu fico rindo dele, apontando a super lâmpada de pescador.
A entrada em Santo André exige atenção total, e um bom planejamento anterior, por conta dos diversos bancos de areia, e dos recifes de corais. Deu tudo certo, entramos sozinhos e ancoramos com duas âncoras, para não girar no canal, relativamente estreito.
Os primeiros dias de nossa ancoragem em Santo André foram de muita emoção, para mim, as maiores desse nosso cruzeiro ao nordeste. Haja coração de cruzeirista! O acontecido teve várias cargas de adrenalina, mas estamos todos bem, barco e tripulação. Como não é do meu feitio falar demais, conto tudo uma outra hora, especialmente para você. Até breve!
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Versão do Dorival
A viagem de Camamu a Santo André teve uma escala de seis dias em Itacaré. Saímos do Campinho às 8:00 hs, para chegar em Itacaré com a maré enchendo e ainda de dia. Para entrar, usei waypoints fornecidos por um amigo, que coincidem com os de um manual vendido no TENAB. Não tivemos problemas, mas é um zigue-zague danado, passando muito perto do Farol e das pedras da Ponta do Xaréu. São 10 minutos, no máximo, mas é preciso muita atenção. Realmente, foi uma boa experiência de navegação.
Pouco antes de chegar na barra, comecei a recolher a rapala (um tipo de isca artificial), quando senti um forte puxão e …. lá se foi a minha rapala. Gosto de imaginar que era um peixão, mas nunca saberei.
Ancoramos próximos aos barcos de pesca, que ficam em poitas posicionadas antes de um banco de areia, que se estende até a praia. Na maré baixa, o banco de areia aparece, abrindo uma faixa de areia de cerca de 100 metros.
Itacaré tem muitas pousadas, restaurantes, lojas e agências de turismo, que vendem pacotes de passeios para as praias, trilhas, e muitas outras atividades. Parece a Búzios dos baianos.
Em um fim de tarde, logo após uma tempestade, avistei um veleiro que estava encalhando na praia da entrada da barra. As ondas já estavam arrebentando no costado. Quatro barcos de pesca saíram juntos para socorrer. Três deles passaram próximos ao veleiro e, com muita habilidade, navegaram paralelamente às ondas, manobrando rapidamente para encarar a arrebentação de proa. Os barcos lançaram âncoras e homens, com os cabos delas, ao mar. Os homens nadaram até o veleiro para ancorá-lo, de tal forma que ele passasse a oferecer a proa para as ondas. Nova passagem e homens com cabos de reboque lançaram-se ao mar, para levá-los até o veleiro. Com ajuda da genoa e de um outro barco que puxava o mastro, forçaram o barco a se deitar para livrar a quilha do encalhe: deu certo, e o veleiro foi sendo rebocado para fora da arrebentação, e assim foi resgatado. Contei seis homens que participaram do resgate, chegando até a praia a nado. No rádio VHF, uma voz feminina tentava contato com o veleiro, falando em português e inglês. A ação foi tão rápida e coordenada que tenho certeza que já fizeram isso muitas vezes.
Exatamente como li em alguns roteiros, muitas Baronesas (um tipo de planta aquática) descem o Rio de Contas. Uma grande quantidade delas, mais maré enchendo e vento na mesma direção, fizeram o Luthier arrastar a âncora uns 50 metros rio adentro. Outros barcos de pesca foram arrastados muito mais, com suas âncoras garrando só com o vento. Paciência e um facão bem afiado dão conta de livrar das plantas a corrente da âncora.
A grande lembrança que eu levo de Itacaré é dormir ouvindo a arrebentação.
Em Camamu chovia regularmente, todo fim de tarde. Lá eu ouvia os trovões, mas não via a luz dos raios. Pareciam distantes. Em Itacaré, eu os achei. São raios muito fortes, caindo no mar e nos morros, mas a água que cai é pouca. Descobri depois que, em Santo André, venta muito. Pois é, Em Santo André o vento, em Itacaré chuva com raios, e em Camamu é só água. Claro que há um pouco de exagero e simplicidade na frase acima. Perguntaram-me se esses fenômenos estavam nas previsões meteorológicas. Sim, estavam quanto à quantidade de chuva, o vento médio e a altura das ondas. As rajadas de vento, de 5 a 10 minutos com 35 nós, são efeitos locais. Os raios, que eu só vi em Itacaré, não sei dizer.
Saímos para Santo André com dia limpo, mar calmo e sem vento. A previsão mostrava vento só para de tarde. E assim foi. O vento apareceu, tímido, às 15 hs, mas suficiente para nos levar a 5 nós. Com prazer, desliguei o monstro de ferro barulhento e quente, e pudemos seguir deslizando, calmamente. Vento de través e, às vezes, uma orça leve. Logo começamos a velejar cada vez mais rápido e comecei a ter que segurar o Luthier, para chegar em Santo André de dia.
Chegamos na barra às 6:30 hs, com a maré baixa. Os recifes estavam bem visíveis, o mar sem ondas e completamente sem vento. Passamos por trás da “Baixinha”, uma pedra muito conhecida, próxima dos recifes, e entramos calmamente; sem ver arrebentação, passamos próximos do recife e fomos escolher onde ancorar.
O primeiro lugar escolhido não foi muito bom, porque ficava no caminho dos barcos de turismo, que tem por aqui.
Entre Suape, Itacaré e Santo André, eu achei que Itacaré, apesar de ser a entrada mais curta, é, de longe, a mais delicada. Não tivemos problemas para entrar e sair porque na hora em que o fizemos o mar estava calmo e sem vento.
As praias que eu conheço ai do Brasil, todas têm rebentação lá longe o que significa recifes ou baixios. È um bocado assustador e sem as informações correctas o mais certo é acontecer muitas vezes o épisodio que contam. A única baia que conheço na foz do rio Formoso em Tamandaré PE e que conheço bem pois andei por ali muitas vezes ( do lado de terra…claro) tem uma entrada sinuosa entre recifes com uma lingua de areia bem na entrada. Só vi uma vez um catamaran dentro da enseada e ficou por lá bastante tempo. Uma vez até, assisti a uma situação curiosa que foi um aviador louco de ultra leve, aterrou na lingua de areia, não sei se imaginava que teria havido uma terraplanagem submarina, o que é certo é que na manobra, quebrou o trem!. Depois com um veio na mão dizia para mim….tenho 2 horas (tempo até á preia mar)para encontrar um soldador e voltar a montar isto…..éra domingo! Acho que conseguiu.
Caro Conde,
Temos a sorte de contar com a ajuda de amigos que fizeram a viagem que estamos fazendo mais de uma vez. Temos waypoints precisos, e planejamos bem em que horários e condições de mar vamos demandar a entrada, ou saída, de qualquer lugar. As informações e dicas que temos tido faz nossa viagem ser mais interessante e segura. O acidente em questão se deu por falta de informação e imperícia. Já a ajuda foi precisa.
Abraço
Dorival
Oi Dorival;
o Diário de Bordo está ótimo. Parabens. Só acho que a Catarina está lavando pouca roupa. Um abraço forte para vcs.
Gunnar Hansen.
Oi Gunnar,
Obrigado pelo elogio, mas tenho que fazer justiça, a Catarina muitas vezes me ajuda pendurando a roupa; eu não lavo louças nem faço comida. Minha parte é lavar e manter em ordem o convés e o costado, o banheiro depois do banho, fazer toda manutenção pesada, e, claro, lavar a roupa.
Acredite, ficamos ocupados o tempo todo, mas sobra algum para nadar, passear e olhar a estrelas sem fazer nada.
Abraço
Dorival
Olá Dorival e Catarina,
Seus relatos nos fazem “viajar” de novo por essa linda costa da Bahia. No episódio do encalhe e salvamento do veleiro ficou faltando nos darem mais detalhes como o nome , o tamanho e o porto de origem da embarcação. Se souberem poderiam nos contar ?
Aproveitem bem Santo André, um dos nossos lugares prediletos por sua calma, beleza e simplicidade.
Um abraço,
Ivan e Egle
Caros Ivan e Egle.
O veleiro em questão tem costado azul, 26 ou 27 pés, brasileiro, de Salvador, usa motor de popa. Estava indo para Ilheus e foi pego por ventos SE. Como o motor de popa não conseguia vencer o vento, voltaram para entrar em Itacaré.
É uma política nossa não citar nomes de pessoas ou embarcações, a não ser que autorizados a fazê-lo. Como não falamos com proprietário, apenas com o marinheiro que o acompanhava, o nome da embarcação depois eu conto, pessoalmente.
Abraço
Dorival